Thierry Meyssan
Os Estados Unidos pressionam os seus aliados
da União Europeia a fim de se prepararem para uma Terceira Guerra mundial. Se
quiserem sair vitoriosos da « armadilha de Tucídides », eles não têm outra
escolha a não ser travá-la. A menos que toda essa agitação seja apenas uma
encenação para «manter» os aliados no seu lugar quando muitíssimos Estados, na
América do Sul, em África e na Ásia, se declaram « neutrais ». Ao mesmo tempo,
o ruído das botas agita os militaristas japoneses que, tal como os « nacionalistas
radicais » da Ucrânia, estão de regresso.
Este artigo dá seguimento a:
1. « O
Médio-Oriente liberta-se do Ocidente », 14 de Março de 2023.
Face aos progressos feitos pelos partidários
de um mundo multipolar, os defensores do «imperialismo americano» não demoraram
a reagir. Duas operações serão aqui analisadas: a transformação do Mercado
Comum Europeu numa estrutura militar e a reformulação do Eixo da Segunda Guerra
Mundial. Este segundo aspecto faz entrar em jogo um novo actor: o Japão.
No Parlamento francês, Charles De Gaulle
alia-se aos comunistas para fazer fracassar a Comunidade Europeia de Defesa
(CED).
A METAMORFOSE DA UNIÃO EUROPEIA
Em 1949, os Estados Unidos e o Reino Unido
criam a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Aí, eles colocam o
Canadá e os Estados que libertaram na Europa Ocidental. Trata-se para eles, não
de se defender, mas de preparar um ataque à União Soviética. Esta responde
criando o Pacto de Varsóvia.
Em 1950, aquando da Guerra da Coreia, os
Estados Unidos consideram alargar o conflito à República Democrática Alemã
(chamada « Alemanha Oriental »). Para isso, têm que rearmar a República Federal
Alemã (chamada « Alemanha Ocidental »), apesar da oposição da França, da
Bélgica e do Luxemburgo. Portanto, eles propõem a criação de uma Comunidade
Europeia de Defesa (CED), mas falham perante a resistência dos gaullistas e dos
comunistas franceses.
Paralelamente, eles ajudam à reconstrução da
Europa Ocidental com o Plano Marshall. Este inclui muitas cláusulas secretas,
entre as quais a construção de um mercado comum europeu. Washington pretendia
simultaneamente dominar economicamente a Europa Ocidental e preservá-la
politicamente da influência comunista e do imperialismo soviético. As
Comunidades Económicas Europeias ---e mais tarde a União Europeia--- formam a
face civil da ficha dos EUA, cuja face militar é a OTAN. A Comissão Europeia
não é uma administração de Chefes de Estado e de Governo membros da UE, mas,
realmente, a interface entre eles e a Aliança Atlântica. As normas europeias em
matéria não só de armamento e construção, mas também de equipamento, de
vestuário e de alimentação, etc. são estabelecidas pelos serviços da OTAN, primeiro
no Luxemburgo, depois na Bélgica. São transmitidas à Comissão e hoje em dia
aprovadas pelo Parlamento Europeu.
Em 1989, quando a União Soviética está em vias
de afundar sobre si própria, o Presidente francês, François Mitterrand, e o
Chanceler alemão, Helmut Köhl, pensam libertar a Europa Ocidental da tutela
norte-americana de maneira a poder rivalizar com Washington. As negociações
deste tratado tem lugar em simultâneo com o fim da ocupação quadripartida da
Alemanha (12 de Setembro de 1990), a reunificação das duas Alemanhas (3 de
Outubro de 1990) e a dissolução do Pacto de Varsóvia (1 de Julho de 1991).
Washington aceita o Tratado de Maastricht desde que ele reconheça o seu domínio
militar. Os Europeus Ocidentais aceitam este princípio.
No entanto, Washington desconfia do par
Mitterrand-Köhl e no último momento exige que a União Europeia integre todos os
antigos membros do Pacto de Varsóvia, até mesmo os novos Estados independentes,
saídos da antiga União Soviética. Estes Estados não partilham as aspirações dos
negociadores de Maastricht. Até desconfiam muito mais deles. Pretendem
livrar-se tanto da influência alemã como da russa. Para sua defesa remetem-se
apenas ao «guarda-chuva americano».
Em 2003, Washington aproveita a presidência
espanhola da UE (o socialista Felipe González) e do Alto Representante para a
Política Externa e de Segurança Comum, Javier Solana, para fazer adoptar a
«Estratégia Europeia de Segurança», decalcada da National Security
Strategy do Presidente norte-americano, George W. Bush. Este documento é
revisto em 2016 pela Alta Representante Federica Mogherini.
Emmanuel Macron consagrou a presidência
europeia da França a reconstituir a CED sob cobertura da «Bússola Estratégica»
da UE. Desta vez, o projecto não é submetido aos parlamentos nacionais. É uma
decisão pessoal dos chefes de Estado e de Governo, jamais debatida e submetida
aos eleitores.
Em 2022, durante a guerra da Ucrânia, os
Estados Unidos, tal como durante a guerra da Coreia, pensam ter de novo
necessidade de rearmar a Alemanha contra a Rússia (sucessora da URSS). Eles
transformam pois a UE, com cuidado desta vez. Durante a presidência do Francês
Emmanuel Macron, propõem-lhe uma «Bússola Estratégica». Esta só é adoptada um
mês após a intervenção russa na Ucrânia. Os membros da União Europeia estão de
tal maneira bloqueados que continuam sem saber exactamente se estão juntos para
cooperar ou para se integrar (a «ambiguidade construtiva», segundo a expressão
de Henry Kissinger).
Em Março de 2023, o actual Alto Representante
da União Europeia para os Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) e a
Política de Segurança, Josep Borrell, organiza o primeiro «Fórum Robert
Schumann sobre Segurança e Defesa». Nele participam muitos Ministros da Defesa
e dos Negócios Estrangeiros dos Estados Membros da União. Além dos Estados
europeus não-membros da União, mas que são pró-EUA, muitos outros estão aí
representados a nível ministerial, como Angola, Gana, Moçambique, Níger,
Nigéria, Ruanda, Senegal, Somália, Egipto , Chile, Peru, Geórgia, Indonésia e
Japão. Além da OTAN, a ASEAN, o Conselho de Cooperação do Golfo e a União
Africana também se fazem aí representar. A Liga Árabe envia até o seu
Secretário-Geral.
Este Fórum tem o propósito explícito de
defender o «multilateralismo e uma ordem internacional baseada em regras» ;
uma maneira elegante de denunciar o Projecto russo-chinês de um «mundo
multipolar baseado no Direito Internacional».
Graças à epidemia de Covid, a União Europeia
já se dotou de poderes em matéria de Saúde que não estavam previstas nos
Tratados. Expliquei no início desta epidemia que a medida de confinamento das
pessoas sãs não tinha nenhum precedente na História. Ela foi pensada, a pedido
do antigo director do laboratório Gilead Scien e do antigo Secretário da
Defesa, Donald Rumfeld, pelo Doutor Richard Hatchett, que se tornou director do
CEPI (Coalition for Epidemic Preparedness Innovations) e, a esse título,
iniciador desta medida no mundo inteiro [1]. Segundo o seu
relatório classificado de 2005, que infelizmente apenas conhecemos através das
reacções que suscitou, o confinamento de civis saudáveis em casa devia permitir
determinar os empregos a ser deslocalizados, fechar indústrias de bens de
consumo no Ocidente e concentrar a força de trabalho na indústria de Defesa.
Ainda não chegamos lá, mas tendo se apoderado a União Europeia de atribuições
de Saúde Pública não previstas pelos Tratados, sem despertar indignação, ela
faz agora interpretações dos textos para se tornar uma potência militar.
Josep Borrell durante o Fórum Robert
Schumann sobre a Segurança e a Defesa
Na semana passada, durante o Fórum Schuman,
Josep Borrell apresentou o seu primeiro relatório sobre a aplicação da «Bússola
Estratégica». Trata-se de coordenar a agregação dos Exércitos nacionais,
incluindo os Serviços de Inteligência, num espírito de integração e já não mais
de cooperação. O projecto de Emmanuel Macron enterra agora o de Charles De
Gaulle e dos comunistas franceses. A «Europa da Defesa» aparece agora como um
slogan (eslogan-br) visando não só colocar as Forças operacionais dos
Estados-Membros da UE sob a autoridade do Comandante Supremo Aliado na Europa
(SACEUR), hoje o General norte-americano Christopher G. Cavoli, mas também
tomar o controlo de todas as decisões de financiamento que incumbiam até aqui
aos Parlamentos nacionais, e mesmo as decisões sobre armamento e organização
que pertenciam aos Executivos dos Estados-Membros. Assim, a União está em vias
de organizar um Exército comum sem saber quem o vai comandar.
A RECONSTITUIÇÃO DO EIXO NAZI-NIPÓNICO
Quando pensamos na Segunda Guerra Mundial,
evocamos na Europa as datas de 1939 e 1945. Isto é absolutamente falso. A
guerra começou em 1931, após o ataque pelos generais japoneses aos militares
chineses na Manchúria. Tratou-se da primeira ultrapassagem do Poder civil japonês
pela facção militarista que se amplificou alguns meses mais tarde com o
assassinato do Primeiro-Ministro civil por um grupo de militares. Em poucos
anos, o Japão transformou-se numa potência militarista e expansionista. Esta
guerra não terminou com a libertação da Manchúria pelo Exército Vermelho, em
1945. Com efeito, os Estados Unidos utilizaram duas bombas atómicas para
impedir a rendição do Japão à URSS e assegurar que ela só teria lugar perante
seus próprios generais. Eles continuaram os combates até 1946 porque muitos
Japoneses recusaram render-se aos Norte-Americanos que só se haviam batido até
aí no Pacífico. A Segunda Guerra Mundial durou, pois, de 1931 a 1946. Se
cometemos estes erros de datação, é porque ela só se mundializou com o Eixo
Roma-Berlim-Tóquio (o «Pacto Tripartido»), a que a Hungria, a Eslováquia, a
Bulgária e a Roménia rapidamente se juntaram.
O fundamento do Eixo não foi o dos díspares
interesses dos seus membros, mas o seu culto da Força. Para o retomar hoje em
dia, é preciso voltar a juntar aqueles que partilham esse mesmo culto.
Yoshio Kodama, o primeiro padrinho dos
yakuza, jogou um papel importante no militarismo japonês. Após a Segunda Guerra
mundial foi aprisionado, depois beneficiou da mudança de política dos Estados Unidos.
Fundou o Partido liberal, do qual Shinzo Abe e Fumio Kishida são oriundos.
Kodama dirigiu clandestinamente muitas operações da CIA no seu país. Ele era
membro da Liga anti-comunista mundial quando Slava Stetsko (a redactora do
Artigo 16 da Constituição ucraniana) era a presidente.
Quando os Estados Unidos ocuparam o Japão, em
1946, eles pensaram primeiro em expurgar todos os elementos militaristas. Mas
assim que sobreveio a Guerra da Coreia, decidiram apoiar-se no Japão para lutar
contra o comunismo. Puseram fim aos julgamentos em curso e reabilitaram 55. 000
altos funcionários. Colocaram em marcha o plano Dodge, equivalente do Plano
Marshall na Europa. Entre os felizes contemplados por essa mudança de política,
Hayato Ikeda tornou-se o Primeiro-ministro e restaurou a economia do país. Com
a ajuda da CIA, ele fundou o Partido Liberal-Democrata. Foi da sua corrente, do
seu seio, que saíram o Primeiro-Ministro Shinzo Abe (2012-20) e o seu sucessor
Fumio Kishida (2020-).
Este último acaba de efectuar uma visita surpresa à Ucrânia. É o primeiro Chefe de Governo asiático a visitar este país depois do início da guerra. Ele visitou uma vala comum em Bucha e transmitiu as suas condolências às famílias das vítimas dos «crimes russos». A maior parte dos analistas interpretam esta viagem como uma preparação da próxima Cimeira (Cúpula-br) do G7 no Japão. A menos que tal não vá muito mais longe.
No seu comunicado final, Fumio Kishida e
Volodymyr Zelensky sublinharam «a inseparabilidade da segurança euro-atlântica
e indo-pacífica» e «a importância da paz e da estabilidade no Estreito de Taiwan».
Trata-se para eles, não só de defender a Ucrânia face à Rússia, mas também o
Japão face à China. Este comunicado lança as bases de uma nova aliança entre os
sucessores dos nazis, que são os «nacionalistas integralistas»
ucranianos [2],
e os sucessores do nacionalismo Showa. A Ucrânia actual é o único Estado no
mundo a dispor de uma Constituição explicitamente racista. Adoptada em 1996 e revista
em 2020, ela especifica no seu Artigo 16.º que «Preservar o património genético
do povo ucraniano é da responsabilidade do Estado». Este Artigo foi redigido
pela viúva do Primeiro-Ministro ucraniano nazi, Yaroslav Stetsko.
Pelo contrário, a Constituição japonesa
estabelece a renuncia à guerra no seu Artigo 9. Mas Shinzo Abe e Fumio Kishida
iniciaram uma luta para revogar esta disposição. Ela torna, entre outras
coisas, impossível a transferência de equipamento de defesa mortíferos, por
isso Kishima ofereceu cerca de US$ 7,1 mil milhões (bilhões-br) em ajuda
humanitária e financeira a Kiev. Quanto ao material militar não-letal, nesta
semana ele apenas conseguiu anunciar o envio de um stock (estoque-br) no valor
de US$ 30 milhões de dólares.
Esta nova militarização do Japão é apoiada por
Washington, o qual já mudou de campo ao apoiar a Ucrânia. O Embaixador dos EUA
em Tóquio, Rahm Emmanuel, twittou: «O Primeiro-Ministro Kishida efectua uma
visita histórica à Ucrânia para proteger o povo ucraniano e promover os valores
universais inscritos na Carta das Nações Unidas (…) A cerca de 900 quilómetros
de distância, uma parceria diferente e mais nefasta toma forma em Moscovo
(Moscou-br)» (alusão à Cimeira Putin-Xi).
Por seu lado, o porta-voz do Ministério chinês
dos Negócios Estrangeiros, Wang Weibin, declarou a propósito da viagem do
Primeiro-Ministro que «espera que o Japão faça pressão para um apaziguamento da
situação, e não o inverso». Por seu lado, a Rússia enviou dois bombardeiros
estratégicos voar por cima do Mar do Japão durante cerca de sete horas.
[1] “O Covid-19 e a Alvorada
Vermelha”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 28 de Abril
de 2020.
[2] “Quem são os nacionalistas
integralistas ucranianos?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire,
17 de Novembro de 2022.
https://www.voltairenet.org/article219084.html
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