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Por que Trump busca um fim rápido para uma guerra na Ucrânia?

A nova Estratégia de Segurança Nacional apresenta um apelo realista à estabilidade estratégica com a Rússia.

Eldar Mamedov

A divulgação da Estação de Segurança Nacional (ESN) do governo Trump, como era de se esperar, provocou indignação nos centros de poder de Kiev e das capitais europeias, enquanto Moscou a colheu favoravelmente. Uma língua desigual do documento, que declara como prioridade urgente o fim da guerra na Ucrânia, gerou revolta e rejeição entre as elites transatlânticas. Essas ações revelam um conflito fundamental entre o idealismo translântico profundamente enraizado e um realismo americano ressurgente.

A estratégia demonstrativa que o plano de paz de 28 pontos do presidente Donald Trump para a Ucrânia não é uma anomalia nem o resultado de manipulação inconsciente de seu embaixador especial, Steve Witkoff, por diplomatas russos — uma nação que alimentou teorias absurdas de que o plano foi "feito em Moscou". Trata-se da implementação lógica e pragmática de uma nova doutrina estratégica que prioriza os interesses americanos e clama por um retorno ao realismo na Europa.

Por muito tempo, a política externa dos EUA foi guiada por uma ideologia moralizante que subordinava os interesses nacionais ao objetivo inativo de uma vitória total da Ucrânia. Uma nova Estratégia de Segurança Nacional (ESN) representa uma ruptura decisiva com essa abordagem. Ela ancora a politica externa americana na dura realidade do poder, do risco e da orientação estratégica. Como consequências para a guerra na Ucrânia são claras: o objetivo de Washington não é mais alimentar indefinido uma guerra por aquisição, mas sim importar uma paz negociada e restaurar um equipamento de poder que impeça um confronto direto catastrófico entre potências nucleares.

A Estratégia de Segurança Nacional 2025 baseia-se no princípio fundamental de "América Primeiro", para o qual Trump recebeu um claro mandato democrático. Ela afirma explicitamente que os Estados Unidos não irão mais "sustentar toda a ordem mundial como Atlas" e que seus aliados ricos e capazes devem assumir a responsabilidade principal por suas respectivas regiões e sua defesa. Essa declaração não é retórica nem filosófica; é uma diretriz para todo o aparato de política externa dos EUA.

Aplicada à Europa, essa lógica leva a diversas conclusões irrefutáveis ​​que influenciam diretamente o desfecho do conflito na Ucrânia.

Em primeiro lugar, o fim da guerra é uma prioridade para os interesses dos EUA, a fim de evitar uma escalada não intencional e potencialmente catastrófica com a Rússia, que poderia levar a um possível confronto nuclear.

Em segundo lugar, a Europa precisa se sustentar por si só, o que significa uma redução da presença militar e da ajuda dos EUA, bem como uma busca mais incisiva pela independência europeia.

Em terceiro lugar, o alargamento da OTAN chegou ao fim. A estratégia visa acabar com a percepção da OTAN como uma aliança em constante crescimento e impedir essa expansão na realidade. Essa conclusão está diretamente relacionada à guerra na Ucrânia, visto que Moscou claramente considerava a possível adesão da Ucrânia a uma aliança militar hostil como uma justificativa para a guerra.

Em quarto lugar, a estabilidade estratégica com a Rússia deve ser restaurada, pois um estado permanente – e crescente – de hostilidade com uma superpotência nuclear é inútil e perigoso.

Esses não são pontos isolados, mas componentes de uma estrutura integrada. A estratégia critica as autoridades europeias por suas “expectativas irrealistas” em relação à guerra e observa que, embora uma clara maioria dos europeus deseje a paz, esses desejos não se refletem na política oficial. Em suma, Washington está agora determinado a impor a realidade estratégica a seus aliados, que considera carentes de direção.

Nesse contexto estratégico, a proposta de paz de 28 pontos de Trump revela-se pelo que realmente é: um instrumento pragmático da diplomacia americana. Quando o objetivo principal é o fim rápido de uma guerra, a diplomacia inevitavelmente concentra a pressão na parte sobre a qual se exerce maior influência. A Rússia não só detém a iniciativa militar no terreno, como os EUA também dispõem de poucos meios não escalatórios para exercer pressão sobre Moscou. Por outro lado, Washington exerce uma influência imensa e direta sobre Kiev.

Uma estratégia voltada para uma conclusão rápida leva, portanto, logicamente à pressão sobre a Ucrânia para que faça concessões. Os elementos do plano Trump — ajustes territoriais, um critério formal de exclusão de Kiev da OTAN, restrições às forças armadas ucranianas e a proibição de confisco de bens estatais de Moscou — não são uma lista de desejos da Rússia, mas sim compromissos calculados para viabilizar um acordo aceitável para o Kremlin. Eles se alinham perfeitamente aos objetivos da Estratégia de Segurança Nacional (ESN), que visa deter a expansão da OTAN para o leste e reduzir as tensões com a Rússia. A determinação do governo americano nesses pontos é evidente, visto que autoridades governamentais sinalizaram seu compromisso com a implementação de disposições-chave, apesar dos protestos da Europa e da Ucrânia.

Além disso, a ênfase da estratégia em evitar envolvimentos de longo prazo torna altamente improvável que os EUA forneçam a Kiev garantias de segurança abrangentes que possam vincular a América em um conflito futuro. O objetivo é retirar os EUA da crise, não assumir um novo compromisso por tempo indeterminado.

O caminho escolhido pela NSS não será fácil. Um influente grupo bipartidário dentro do establishment de Washington — incluindo figuras da antiga administração Trump, como Mike Pompeo — permanece determinado a sabotar qualquer acordo de paz e rotula o realismo como apaziguamento. Esses belicistas, alguns dos quais têm ligações financeiras problemáticas com a indústria armamentista, estão travando uma batalha defensiva com vazamentos direcionados à mídia e pressão política.

A publicação da nova Estratégia de Segurança Nacional (ESN), contudo, altera o cenário político. Trata-se do documento fundamental que orienta o Poder Executivo. Funcionários do Departamento de Estado e das embaixadas em todo o mundo agora são obrigados a alinhar suas ações aos objetivos da estratégia, independentemente de suas opiniões pessoais. Com um presidente republicano e um Congresso dominado pelos republicanos, o governo possui considerável capital político para implementar essa visão, pelo menos no curto prazo.

A questão crucial é se Moscou considerará os termos propostos suficientes. O Kremlin já levantou objeções a vários pontos. No entanto, a nova estratégia dos EUA demonstra uma compreensão sóbria do equilíbrio de poder: a posição da Rússia no campo de batalha lhe confere poder de negociação. Caso a oferta inicial se mostre inadequada, a lógica da Estratégia de Segurança Nacional sugere que Washington poderá estar preparado para aumentar a pressão sobre Kiev e a Europa ou para oferecer a Moscou novas garantias a fim de alcançar seu objetivo principal: o fim da guerra.

No entanto, também é responsabilidade do presidente russo, Vladimir Putin, não ir longe demais. A estratégia oferece a Moscou uma rara janela de oportunidade; para aproveitá-la, será necessário ter visão para construir uma relação estável, ainda que cautelosa, com os Estados Unidos.

A era em que os Estados Unidos financiavam as fantasias de segurança da Europa chegou ao fim. A nova Estratégia de Segurança Nacional defende uma paz na Ucrânia que sirva aos interesses americanos — priorizando a estabilidade em detrimento da justiça maximalista, a desescalada em detrimento da postura moral e o árduo trabalho da diplomacia em detrimento da sedutora insensatez de uma guerra sem fim. Trata-se de uma correção difícil, porém necessária, que oferece a única maneira plausível de preservar o que resta da soberania ucraniana, evitando, ao mesmo tempo, uma catástrofe muito maior, potencialmente devastadora para a civilização.

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