À beira do abismo (Será mais o SNS do que a ministra)
Ainda estamos bem lembrados da campanha que a
imprensa mainstream, com especial destaque para o jornal “Público”
(Grupo Sonae) lançou contra a ministra Marta Temido e, por arrasto, contra o
próprio SNS, a propósito da morte de recém-nascido no Hospital das Caldas da
Rainha, devido ao “encerramento das urgências de obstetrícia por alegada falta
de médicos”. Ministra que, pelos sucessivos casos de não atendimento no SNS,
acabou por apresentar a demissão “por entender que deixara de ter condições
para se manter no cargo “. No governo PSD/Montenegro, a ministra farmacêutica,
perante o caso de grávida que perdeu o bebé porque não tinha dinheiro para se
deslocar até ao Santa Maria e do INEM não possuir helicópteros para o
transporte urgente de doentes, diz-se de "consciência tranquila" e
que estará no cargo até o primeiro-ministro manter a confiança… e até à
demolição completa do SNS.
A polémica actual sobre o SNS continua sobre a
falta já crónica de recursos humanos e de meios, os salários insuficientes dos
profissionais e a teimosia da ministra em contrariar a realidade da saúde no
país e manter-se agarrada ao cargo. A substituição por outro comissário para o
sector não vai por si só alterar o que quer que seja se a política se mantiver,
bem como o próprio governo, mas quanto a estas questões a ministra parece estar
de pedra e cal, porque é o líder parlamentar do PSD que faz o elogio: "É
precisamente pelos resultados que a ministra da Saúde continua",
justificando a continuação da dita no novo governo. E, quanto ao governo, este
faz contas em levar a legislatura até ao fim. A política delineada desde há
muito e prosseguida agora pelo PSD/Montenegro é privatizar a saúde em Portugal.
É uma questão de fé e uma missão a cumprir.
A questão de falta de helicópteros e de os
utilizados pela Força Aérea serem demasiados grandes para operar na maioria dos
heliportos dos hospitais não parece ser, igualmente, preocupação que tire o
sono aos responsáveis pela saúde dos portugueses. Em relação ao transporte de
doente da Covilhã para os Hospitais da Universidade de Coimbra, que levou mais
de cinco horas pela dificuldade atrás apontada, o director executivo do SNS
logo veio dizer que a responsabilidade dos transportes não é do SNS mas do INEM.
E, ao que parece, também não é do governo nem da ministra porque não
acautelaram a tempo os meios aéreos e a dotação de pessoal para o funcionamento
normal e adequado daquele serviço. Em vez de mil e quinhentos trabalhadores o
INEM possui pouco mais de 800 e a corrupção é mais do que uma suspeita. Ainda
na manhã de hoje, a PJ, o Ministério Público e a Procuradoria Europeia
realizaram buscas no edifício sede do INEM, em Lisboa, bem como nas
Universidades do Porto e de Coimbra, relacionadas com a utilização fraudulenta
dos dinheiros do PRR.
Como se pode constatar, os negócios na saúde,
assim como em outras áreas, estão frequentemente envoltos em corrupção
despudorada e não há freio para os gastos quando se trata de interesses que
pouco ou nada têm a ver com a saúde e o bem-estar da maioria dos cidadãos
portugueses. Deu escândalo o facto de ter havido um médico dermatologista que
arrecadou mais de 400 mil euros em cirurgias adicionais em 10 sábados, o que
levou o presidente do Hospital Santa Maria suspender as referidas cirurgias
extra e ordenado uma auditoria, que já sabemos antecipadamente ao que vai dar.
Logo depois, foi notícia uma médica, igualmente dermatologista e a trabalhar no
mesmo hospital, ter recebido 113 mil euros em 7 sábados, embora se encontrasse
ao mesmo tempo num congresso em Itália; as cirurgias terão sido feitas por
médicos internos em seu nome, ou como os médicos mais novos são usados e
explorados. E, já que falámos do Hospital de Santa Maria, este terá gastado
mais de 40 milhões de euros em produção adicional desde 2022. É o fartar
vilanagem!
Não há dinheiro para aumentar os salários de
médicos, enfermeiros e outros técnicos necessários ao bom funcionamento do SNS,
mas gasta-se dinheiro para pagar aos médicos que sabotam o trabalho e contratar
os serviços adjudicados ao sector privado, em outsourcing desnecessário
e redundante. Mesmo que para isso se permita que os médicos, que são
funcionários do estado, acumulem com o privado, onde vão enriquecer, e não
apenas complementar o rendimento mensal, em regime de empresário em nome
individual. E como ninguém tem o dom da ubiquidade, então, haverá que fechar o
público para manter em actividade o sector privado. Assim, ainda neste fim de
semana estiveram encerradas sete urgências no Sábado, dia 5 de Julho e oito no
Domingo, sendo uma de Pediatria e as restantes de Ginecologia e Obstetrícia,
nos hospitais do Barreiro, Setúbal, Vila Franca de Xira, Santarém, Aveiro,
Leiria e Abrantes. A partir de amanhã. dia 9, a urgência de Obstetrícia e
Ginecologia do Hospital do Barreiro fechará para ambulâncias durante 10 dias.
Mais parturientes irão estar em risco de vida, assim como os seus bebés, e
outros desastres acontecerão sem que perturbem o descanso e a consciência dos
nossos desgovernantes.
Para os privados aumentarem os seus negócios,
o SNS terá de emagrecer ficando só pele e osso, e a realidade dos factos
mostram à evidência que enquanto se encerram e degradam os serviços públicos,
embora se gastem mais uns milhões de euros todos os anos e com perda de
eficiência, os lucros dos hospitais privados batem recordes de faturação e de
número de cirurgias, ultrapassando os 2,5 mil milhões de euros em 2024. Para o
que contribuem, também, o aumento dos seguros de saúde e a procura de cuidados
fora do SNS, porque este encerra parcialmente aos fins de semana. Foi uma
subida de lucros de 11,6%, considerado um máximo histórico. E diz a ministra,
farmacêutica e comissária política, que assumir responsabilidades
"significa ficar, resolver, dar a cara de uma maneira empática",
reforçando a ideia que o SNS é "chave mestra" para a saúde. O que se
compreende, na justa medida em que o SNS funciona como hospedeiro para o vírus
do negócio privado da doença, é que se o hospedeiro morre, o vírus não
conseguirá sobreviver.
Mais uma outra prova de que o privado para se
manter e crescer tem de espoliar os dinheiros públicos é o facto de o primeiro
centro de saúde de gestão privada, que estava previsto para o fim de 2024,
continuar sem data para abrir. E a ULS de Coimbra já não avançará com USF
modelo C graças à contratação de quatro médicos de família. Se o governo
contratar médicos, e não só, pagando-lhes bem, não haverá falta e os serviços
funcionarão, e funcionarão bem. Mas o governo de Montenegro/PSD insiste em
oferecer “incentivos”, em vez de salários dignos, e continuar com o regime
ambíguo de “dedicação plena”, no lugar da “dedicação exclusiva”, nem que para
isso tivesse de duplicar o salário base. Por um lado, calava os sindicatos e,
por outro, tinha ao seu dispor um conjunto de profissionais dedicados e
motivados e, inevitavelmente, a qualidade dos cuidados também subiria
enormemente. Mas não, a carta branca recentemente enviada de Bruxelas é para
gastar, sem restrições, mas com a dita “defesa”, melhor dizendo, com os negócios
da guerra. No entanto, há 10 anos que as receitas do SNS não ficavam tão abaixo
do previsto no Orçamento de Estado, tendo o défice aumentado 741 milhões de
euros para mais de 1,3 mil milhões de euros, um défice também histórico.
Salientar que as tais cirurgias adicionais
realizadas no Hospital de Santa Maria foram realizadas maioritariamente no
tempo em que a ministra estava à frente daquele hospital público, tendo também
trabalhado para o laboratório farmacêutico Gilead. A nomeação de um ex-quadro
da Sanofi, Francisco Gonçalves, para a Secretaria de Estado da Gestão da Saúde
confirma, segundo a publicação “Páginas UM”, o domínio crescente do lóbi
farmacêutico no aparelho do Estado. Não são só os interesses das clínicas
privadas que parasitam o SNS, o polvo é enorme e ramificado. Nunca houve um
gasto tão grande com os medicamentos no SNS, muitos deles ineficazes ou com
eficácia duvidosa e redundantes, como agora, e não será necessário ir buscar o
caso das gémeas brasileiras, cuja culpa irá morrer solteira, cuja medicação
ficou ao estado português em mais de dois milhões de euros. Relembrar que a
actual ministra geriu com o antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel
Guimarães, uma conta conjunta e pessoal, pretenso fundo solidário de 1,4
milhões pejado de irregularidades e, segundo a mesma “Páginas UM”, não se sabe
onde pára a auditoria prometida. E de negócio em negócio vai-se demolindo o
SNS, e os responsáveis pela gestão do moribundo SNS mais não são que os agentes
da negociata… até que eles próprios um dia sejam demolidos.
Ver também:
A
cruzada para o desmantelamento do SNS e do sector estado em geral

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