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O chilique presidencial e outras maleitas do reino

 

A notícia mais vendável pelos media mainstream foi a reação vagal do supremo magistrado da nação após ter emborcado um copo de vinho moscatel aquecido, quase esquecendo a indignação da oposição quanto ao relatório (provisório, mas o definitivo não será muito diferente) que branqueia a gestão danosa da TAP com o objectivo, imposto por Bruxelas, de a privatizar, mas desta vez a algum grande grupo económico do sector europeu. Este chilique faz-nos logo lembrar os chiliques do antecessor, o Silva de Boliqueime, que não foram devidos a nenhuma zurrapa indigesta. Será alguma característica genética ou mental dos presidentes provenientes da direita formal portuguesa?

O incidente presidencial fez esquecer um pouco a greve levada a cabo pelos médicos, outras já terão sido anunciadas, na defesa da dignidade da profissão e do SNS, momento oportunisticamente aproveitado pelo presidente combalido para elogiar não só os médicos em greve como o próprio SNS, contra o qual ele, enquanto parlamentar, e o seu partido votaram em 1979, quando foi instituído como reforma do regime democrático anda em verde anos. Conhecendo a manhosice e a hipocrisia da alma apenas podemos entender o elogio como mais uma picada de lacrau, à semelhança do que tem feito ao Costa, intrigando para que vá para longe, algum lugar apetecível em Bruxelas, ao mesmo tempo que o elogia que ele é o “garante de estabilidade”.

A proletarização da classe média

A greve dos médicos do SNS, registando uma elevadíssima adesão, cerca de 95%, mostra um profundo e prolongado descontentamento com a política levada a cabo pelo governo PS/Costa que não tem feito outra coisa, apesar do discurso dúplice, senão destruir, já não disfarçadamente, os serviços públicos e saúde, enquanto vai financiando e beneficiando a todos os níveis os privados, que não cessam de engordar. Da mesma forma que o vírus para poder viver tem que sugar o hospedeiro, mas sempre com a preocupação de o não matar senão também morrerá, os privados precisam de parasitar o SNS e mantê-lo em níveis mínimos de vida para poderem sobreviver – à semelhança dos vírus, não são seres vivos porque não têm vida própria, são meramente um monte de lixo, não genético mas social.

A insatisfação de grande parte da classe médica, não de toda porque há uma parte, os tubarões da medicina e da doença, que engorda com a pauperização do SNS, sente que, como parte dos trabalhadores do país, está também ela a empobrecer. É a expressão mais que cabal que a dita “classe média” nacional está a ser proletarizada e, coisa curiosa mas facilmente explicável e entendível, ao mesmo tempo que os serviços públicos estão a ser destruídos – são os médicos, são os professores. Ao longo deste ano, assistiu-se à luta persistente e até heróica dos professores contra o seu empobrecimento, a degradação das condições de trabalho e da própria escola pública. É muito provável que a esta luta se siga a luta dos médicos e de outras classes profissionais da saúde. É toda a classe média, criada em grande parte graças aos serviços prestados pelo estado à sociedade, que luta pela sobrevivência. 

A pauperização do povo em geral

A classe média sofre e está disposta a revoltar-se, mas a pauperização alarga-se a quase toda a sociedade portuguesa e, conforme o significado da palavra, é para ser permanente, não haverá marcha à ré. O capitalismo não se encontra em situação que lhe permita fazer concessões porque caso contrário será a sua morte mais rápida: quase 84% dos municípios identificam 77 mil famílias em condições indignas; 74% dos pensionistas de velhice da Segurança Social receberam uma pensão abaixo do salário mínimo nacional, em 2022; cerca de 52 mil estudantes têm as prestações das propinas em atraso e 6 mil já estão em processo de cobrança coerciva; preços de alimentos sobem 33% no 1.º trimestre deste ano e Portugal atinge quase o dobro da UE, segundo o Eurostat. A pobreza é iniludível.

Os números são claros e não enganam: depósitos das famílias registam maior redução anual desde dezembro de 1980 e pelo quinto mês consecutivo em Maio, com uma descida de 800 milhões de euros face a Abril; subsídio não chega a 41% dos desempregados; os salários reais diminuíram pela primeira vez desde 2013 e de forma muito pronunciada, em particular, entre os jovens qualificados, enquanto em 2011 um jovem adulto com um curso superior tinha, em média, um salário 50% superior ao de um co o ensino secundário, essa diferença diminuiu para 27% em 2022. Definitivamente o elevador social avariou, a escola deixou de ser uma forma de subir na vida. Não haja dúvidas que o processo de acumulação e concentração da riqueza nas mãos de uma cada vez mais restrita elite se efectua sem cessar, porque caso isso não aconteça o capitalismo irá inevitavelmente implodir.

O grande capital financeiro

Marcelo e Costa quiseram fazer um “bonito” para consumo da opinião pública interna criticando as palavras de Lagarde sobre a subida das taxas de juro de referência do BCE, cujo objectivo é mais do que claro, permitir mais lucros aos bancos, nomeadamente os grandes bancos europeus, precisamente aqueles que mais têm ganho com as dívidas dos estados periféricos onde se inclui o nosso país. As grandes potências económicas europeias que são também credoras de países mais dependentes ficarão claramente ganhar: Alemanha, Holanda, Áustria, Luxemburgo, Dinamarca, Bélgica agradecem.

Não é por acaso que um dos principais bancos europeus, o alemão Bundesbank veio a terreiro defender que o BCE deve aumentar ainda mais as taxas de juros para exactamente “combater inflação”. Um dos principais executores da política imposta pela troika no tempo do PS/Sócrates não conseguiu reprimir o impulso e desabafou que as críticas de Costa e Marcelo a Lagarde foram "despropositadas". O ex-ministro das Finanças acaba por ser mais sério que Costa, então também ministro, e Marcelo. Vítor Constâncio, ex-ministro das Finanças, ex-governador do Banco de Portugal, ex-vice-presidente do BCE, é mais taxativo e lembra que “críticas públicas ao BCE não têm qualquer efeito”. Os lacaios saem da toca. Em suma, a função dos governos portugueses resume-se a cumprir as ordens do BCE.

O governo de Costa, no seguimento dos anteriores, cumpre somente uma agenda imposta do exterior: aumentar a dívida pública, Portugal adia reembolso de 875 milhões de euros em dívida para 2032 e 2052; fundo alemão escolhido para comprar Efacec assina acordo com o Estado; muito possivelmente a TAP, depois de recapitalizada com 3200 milhões de euros, irá parar à alemã Lufthansa; Portugal deu €310 milhões a três universidades dos EUA; o governo disposto a facilitar “acesso a benefício fiscal a empresas que subam salários”, por outras palavras, financiar com dinheiros públicos a subida dos salários das empresas privadas, tal como já fez com o salário mínimo nacional e com o dito “apoio” às rendas e às prestações dos empréstimos de famílias com eventual dificuldade económica devido à subida brusca dos juros. Política dita de “apoio” mas que mais não é do que apoiar a inflação, ou seja, os lucros das empresas, principalmente dos bancos.

A violência como antídoto

Simultaneamente ao processo de pauperização das classes trabalhadoras e intermédias, a elite prepara os instrumentos de controlo e de repressão que acha por mais úteis, e utiliza para essa missão o partido socialista, que no passado já deu boas provas de competência, instrumentos que posteriormente irão ser usados por algum governo formalmente de direita. A violência do estado de classe da elite não é um fim em si mesmo, mas o meio para manter o poder político sobre as classes inferiores e assim garantir a taxa de lucro e, no geral, o seu poder económico.

Neste sentido, os dois partidos do bloco central, e como tendo sido costume, já se puseram de acordo quanto a uma outra, a oitava se não estamos em erro, revisão da Constituição. Parece que alguns pontos já foram aprovados, entre eles o “isolamento sanitário” que poderá ser decretado por entidade judicial ou pelo governo sem necessidade de intervenção parlamentar. O estado de excepção, a anomia, será o novo normal. Devemos lembrar que depois da tomada do poder Hitler governou sempre em estado de excepção. Diz-nos a história que as democracias liberais parem os fascismos. 

O controlo e a repressão aberta são reclamadas. Com o pretexto do “combate ao terrorismo”, uma das conclusões do XI Fórum Jurídico de Lisboa, ocorrido recentemente, terá sido: "A Constituição está desatualizada face às ameaças do terrorismo". Entretanto, o governo pôs a marinar o inquérito criminal ao discurso de ódio nas polícias, o que se compreende, o governo PS, contrariamente ao que quer dar a entender, sempre foi muito amigo das forças policiais, sente-se seguro com o polícia à porta e a guardar-lhe as costas.

No mesmo sentido, o governo entregou uma proposta de lei no Parlamento que visa combater a difusão de conteúdos terroristas online, dando à Polícia Judiciária o poder de eliminar e bloquear esses conteúdos sem autorização prévia de um juiz. Mais uma vez o PS faz tábua rasa do tão incensado “estado democrático e de direito”, ele próprio quer ser o polícia. Costa arvora-se assim em cabo de esquadra. Esta gente, ao olhar para o que se passa em França, entra em pânico e recorre de imediato ao cacete, esquecendo-se que a repressão induz mais resistência e revolta, confirmando a ideia de que a velha toupeira faz silenciosamente o seu trabalho. E quanto a isto, não há volta a dar!

cronicasdobarbaro

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