Vem do tempo da outra senhora a
crença de que Portugal é um país habitado por um povo dócil e pacífico, sem
grandes conflitos ou ódios no seu seio, um mito que foi criado por Salazar,
estando registado em diversos discursos, aparecendo com mais relevo em
1932-1933 e em entrevista encenada com António Ferro, mais tarde director do
SPN (Secretariado da Propaganda Nacional): “A violência, processo directo
e constante da ditadura fascista, não é aplicável, por exemplo, ao nosso meio,
não se adapta à brandura dos nossos costumes…”, querendo assim justificar
a relativa fraca repressão durante o Estado Novo. O mito continuou depois do 25
de Abril, com a “Revolução dos Cravos”, uma revolução sem sangue, apontando-se
o facto aos “brandos costumes” e não à existência de uma reduzida e pouca
reivindicativa classe proletária, directamente relacionada a nunca se ter
realizado entre nós uma revolução industrial. No entanto, a realidade teima em
contradizer a propaganda das elites.
Violência e corrrupção
Se passarmos uma ligeira olhadela pelos media
corporativos nacionais, jornais ou televisões, rapidamente nos apercebemos que
os acontecimentos mais em destaque não serão lá muito pacíficos, que na terra à
beira mar plantada os costumes serão pouco brandos. Hoje, dia em que
alinhavámos este texto, quatro temas sobressaem: violência doméstica, onde se
inclui os maus tratos aos idosos; hipocrisia do clero católico perante os
abusos sexuais de alguns dos seus funcionários; o desprezo a que são votadas as
pessoas mais pobres por parte das autoridades, democraticamente eleitas; o
encerramento gradual e paulatino dos principais serviços públicos, saúde e
educação, com o simultâneo desrespeito com que são tratados os seus funcionários.
Como pano de fundo são quase diárias as notícias sobre os casos de corrupção,
de empresários privados e de responsáveis políticos, pontificando a paragona:
«Portugal é o segundo país mais lesado por burlas com subsídios europeus. Os
factos em investigação terão causado danos no valor de 2,9 mil milhões de
euros. Pior que Portugal só a Itália, segundo relatório da Procuradoria
Europeia referente a 2022».
O assunto que mais tem feito falar, e por
ventura também indignar grande número de cidadãos comuns, é a complacência com
que o clero católico, a começar pelos seus mais altos responsáveis, tem tratado
a questão da pedofilia e da agressão sexual (nem todos serão pedófilos, mas
psicopatas e totalmente criminosos) de alguns dos seus padres contra crianças e
jovens; estes, na sua totalidade, provenientes de classes sociais mais baixas.
No seu entender não haverá nem suspensões, ainda que temporárias, nem expulsões
devido à inexistência de “factos comprovados, sujeitos a contraditório” que
fundamentem as acusações; e nem haverá lugar a indemnizações a pagar pelos
cofres da Igreja que, deve-se esclarecer, são recheados pelas contribuições dos
crentes ingénuos e pelos financiamentos públicos a pretextos diversos:
Misericórdias, IPSS, restauro de templos, financiamento de eventos inteiramente
religiosos, estando também no centro das atenções e de muitos protestos a
realização da Jornada Mundial da Juventude (católica), serão mais de 160
milhões de euros que sairão do erário público, como se o estado, que é laico de
jure, fosse um estado religioso. O estatuto de representação institucional que
a Igreja Católica possui em cerimónias oficiais públicas contradiz que o Estado
português seja laico de facto. O poder, económico e político, confere à
Igreja a impunidade e a arrogância: numa república confessional os costumes
poderão ser tudo, mas brandos é que não são.
Violência e sociedade
A par da violentação do estado e dos cidadãos
por parte do clero católico, assiste-se a uma prática de violência quase
quotidiana sobre os cidadãos mais vulneráveis, muitas vezes mulheres e sempre
os mais idosos, incluindo os que se encontram no desejável resguardo e
segurança dos lares, todos eles privados e pagos a preço de ouro, com
mensalidades que ultrapassam em muito o salário médio a vigorar entre nós. São
os lares onde os idosos são tratados abaixo de cão, fome, falta de higiene,
comidos pelas formigas, em abandono total; muitos dos idosos que faleceram em
lares durante a putativa pandemia foi devido ao abandono, falta de comida e de medicação,
porque direcções e até trabalhadores fugiram em pânico ou obrigados ao
confinamento imposto pelo governo de Costa/PS, que de “sanitário” pouco tinha,
seria mais de controlo e de repressão dos cidadãos em geral.
Em Portugal, assim como nos países católicos
do sul da Europa, e ao contrário dos países mais ricos e luteranos do Norte, a
tendência por parte de muitas famílias é atirar os idosos para os lares quando
já dão muito trabalho e são de pouco utilidade, o mesmo acontece com os doentes
crónicos “esquecidos” nos hospitais do SNS. É a mesma filosofia do
estado/governo quando aumenta a idade da reforma aos trabalhadores, trabalhar
até morrer, e persiste em manter reformas miseráveis de trezentos e pouco euros
mensais. No início da pandemia, segundo a imprensa, haveria cerca de 6000 lares
no país, dos quais cerca de 60%, ou seja, 3500, estariam ilegais; pergunta-se
quantos já foram legalizados ou encerrados e no seu lugar criado uma rede
pública e nacional de lares? Se isto não é violência, então o que será? Segundo
o Estatuto do SNS, os sectores privado e social serão integrados no Sistema de
Saúde, imaginem como será a sua gestão e funcionamento! Os médicos vão entrar
greve, merecem, tal como os professores, todo o nosso apoio e solidariedade.
As notícias são diárias sobre os tais brandos
costumes, situações que em alguns casos poderão estar ligadas à miséria
económica e mental, mas existem de facto: «Filhos ameaçaram de morte mãe idosa
nos Açores»; «Esgana a avó até à morte e vai deitar-se na cama. Um homem, de 32
anos, vivia em casa da avó de 78 anos, em Seia»; «Homem detido em Condeixa por
violação e roubo de idosa de 81 anos. Um homem de 36 anos foi detido pela
presumível autoria dos crimes de violação e roubo de uma mulher de 81 anos, em
Condeixa-a-Nova»; «Agride mulher e é encontrado morto num poço. Um homem, de 52
anos, agrediu a mulher, de 61, com um martelo na cabeça, na quinta-feira, 2 de
março, em Torres Novas». «Mulher agredida pelo marido fica em estado grave.
Agressor entregou-se à PSP. Uma mulher de 28 anos foi hospitalizada em
Mirandela, no final do dia de domingo, depois de ter sido agredida pelo
marido». Estes títulos foram respigados de imprensa de hoje, dia 6 de Março de
2023 (D. C.), de um país que se presume ser europeu, da velha e civilizada
Europa, um país com perto de mil anos, que desde 1986 faz parte dos países mais
avançados da dita Europa, que “deu conhecer mundos ao mundo”; títulos retirados
da imprensa séria e não do pasquim “CM” – antigamente, pensava-se que estas
notícias saíam só no “Jornal do Crime” e eram inventadas.
Hipocrisia e violência
A hipocrisia será um dos principais predicados
que impera na sociedade portuguesa, um nobre e tradicional sentimento, porque
cultivado pelas classes dominantes e desde tempos imemoriais, e transmitido à
populaça, as ideias não estão separadas por muralha da China entre as
diferentes classes sociais, e a Igreja Católica ombreia com a classe política
do poder: «O psiquiatra Daniel Sampaio negou esta segunda-feira que a Igreja
tenha recebido uma lista com os nomes dos padres abusadores sem ter mais
informações sobre os casos denunciados, descrevendo a postura dos bispos como
um "atrasar do problema"»; no entanto, «Patriarcado de Lisboa promete
agir com tolerância zero conforme “grito do Papa Francisco”. O bispo auxiliar
de Lisboa Américo Aguiar prometeu hoje que o Patriarcado de Lisboa vai agir com
“tolerância zero” perante alegados padres abusadores de menores». De igual
modo, o partido que se diz “socialista” e vai espalhando umas medidas “comunistas”
(diz a oposição de direita) para a habitação, embora os especuladores estejam
cada vez mais ricos, a socialista câmara de Loures: «Bairro do Talude. Máquinas
demoliram barracas onde viviam oito famílias em Loures». Eram pobres e de cor
negra. Entretanto, sabe-se (ou confirma-se) que há: «Um Portugal lento, onde
quase não há represálias para quem pratica discursos de ódio, é a principal
queixa das vítimas entrevistadas pela agência Lusa». A hipocrisia anda sempre
de mãos dadas com a violência.
Ah! Já agora, terá a Igreja Católica a ver
alguma coisa com a Santa Inquisição, que condenou à morte na fogueira milhares
de cidadãos porque eram do contra, ou não haverá “factos comprovados, sujeitos
a contraditório”?! O mesmo se poderá dizer a respeito do Estado Novo, terá
assassinado algum cidadão menos patriótico e respeitador dos tais “bons
costumes” ou terá sido raro descuido de algum agente da PIDE menos bem
preparado?! Haverá algum partido de extrema-direita em Portugal, já que os
partidos que existem são todos legais e aprovados pelo Tribunal Constitucional
e a Constituição da República proíbe organizações fascistas, ou será somente
intolerância dos partidos de esquerda e de alguns poucos cidadãos mais
radicais?! Se repetirmos muitas vezes, talvez passem a verdade as palavras de
Salazar: “A violência, processo directo e constante da ditadura fascista,
não é aplicável, por exemplo, ao nosso meio, não se adapta à brandura dos
nossos costumes…”. O mesmo se poderá dizer em relação a muitos aspectos do
regime democrático burguês que saiu do útero do fascismo, ou não serão fascismo
e democracia (burguesa) as duas faces da mesma moeda que é o poder do capital?!
PS: «UE (democrática) financia com mil milhões
de euros compra conjunta de munições para a Ucrânia (nacionalista-integralista)»
– na imprensa mainstream. Quem pagará?
Imagem em destaque: Idoso a ser multado por se
encontrar a comer em espaço público, durante o confinamento “sanitário” -
Imagem da imprensa e colhida no face.
https://cronicasdobarbaro.blogspot.com/2023/03/portugal-pais-de-brandos-costumes.html

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