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O Estado Atual de Israel vs. o Israel da Bíblia: Compreendendo a Diferença. “O atual Estado de Israel não é o Israel de God”

 

Por Prof. Ruel F. Pepa

[Este artigo foi publicado pela primeira vez pela GR em outubro de 2024.]

O moderno Estado de Israel, estabelecido em 1948 na terra da Palestina, é muitas vezes erroneamente equiparado ao Israel da Bíblia, a quem Deus fez promessas significativas. Muitos cristãos, devido a uma má interpretação da profecia bíblica e à incompreensão dos fatos históricos, continuam a ver o atual Estado de Israel como uma continuação do Israel bíblico, acreditando ser o cumprimento das promessas divinas. No entanto, essa perspectiva é baseada em uma exegese falha e um mal-entendido das motivações políticas por trás do estabelecimento do Estado israelense moderno. É crucial diferenciar entre o Israel bíblico, um povo de Deus da aliança, e o Estado moderno, que foi criado através de manobras políticas e carrega uma agenda sionista que é em grande parte secular.

A Criação do Israel Moderno: Um Projeto Político

Imagem: Arthur Balfour (Do Domínio Público)

O moderno Estado de Israel foi estabelecido através da Declaração Balfour de 1917, um documento que sinalizou o apoio britânico ao estabelecimento de uma pátria judaica na Palestina. Este não foi um ato de realização divina, mas um acordo político feito entre o governo britânico e figuras influentes como o Barão Rothschild. A Declaração Balfour fazia parte de uma estratégia mais ampla durante a Primeira Guerra Mundial, quando a Grã-Bretanha procurou o apoio do movimento político sionista—a que visava estabelecer uma pátria nacional para os judeus. O sionismo, no entanto, não era um movimento religioso. Foi impulsionado principalmente por motivos políticos e nacionalistas.

O sionismo procurou reunir judeus de todo o mundo para formar um Estado na Palestina, mas não foi um movimento baseado nos mandatos religiosos ou morais da Bíblia. Na verdade, muitos dos principais sionistas eram seculares ou mesmo ateus. Eles imaginaram um Estado judeu não como o cumprimento da aliança de Deus com os israelitas, mas como uma solução para os desafios da diáspora judaica, particularmente após séculos de perseguição e, mais devastadoramente, o Holocausto.

Sionismo vs. Judaísmo: uma diferença fundamental

Um ponto crítico frequentemente esquecido é a distinção entre sionismo e judaísmo. O judaísmo é uma religião com raízes antigas, baseada na Torá e na adoração do Deus de Abraão, Isaque e Jacó. O sionismo, por outro lado, é uma ideologia política moderna que procura estabelecer e manter um Estado judeu, independentemente das crenças religiosas.

Muitos Judeus, tanto dentro como fora de Israel, opõem-se ao Sionismo e ao Estado de Israel, particularmente devido às injustiças cometidas contra os Palestinianos. Grupos como Neturei Karta, um movimento judaico ortodoxo, há muito argumentam que a criação de um Estado judeu antes da vinda do Messias é uma violação da lei judaica. Além disso, muitos judeus em todo o mundo expressaram solidariedade com os palestinos, reconhecendo o sofrimento contínuo infligido a eles desde o estabelecimento do Estado israelense em 1948. Portanto, equiparar o Sionismo ao Judaísmo não é apenas impreciso, mas também injusto para os muitos judeus que se opõem ao Estado de Israel por motivos religiosos e morais.

O Israel da Bíblia: Um Povo da Aliança, Não um Estado Político

Na Bíblia, o termo “Israel” refere-se aos descendentes de Abraão, Isaque e Jacó, a quem Deus escolheu como povo de Sua aliança. Esta escolha não se baseou no seu valor inerente mas na graça de Deus e no Seu desejo de usá-los para revelar a Sua natureza e vontade ao mundo. O Israel bíblico foi chamado a defender as leis de Deus, promover a justiça e incorporar a santidade como uma luz “para as nações” (Isaías 42:6). Central para esta aliança era uma relação baseada na obediência aos mandamentos, justiça e misericórdia de Deus.

As promessas feitas a Israel na Bíblia sempre estiveram condicionadas à sua fidelidade a Deus. Ao longo do Antigo Testamento, Israel enfrentava julgamento e exílio sempre que se desviavam dos mandamentos de Deus e se envolviam em injustiça, idolatria e imoralidade. Por exemplo, o profeta Amós condenou o fracasso de Israel em defender a justiça, alertando para o julgamento vindouro de Deus: “Deixe a justiça rolar como um rio, a justiça como um riacho que nunca falha!” (Amós 5:24).

Dado este contexto bíblico, é claro que o moderno Estado de Israel, que funciona como um Estado-nação secular sem qualquer compromisso abrangente com os princípios bíblicos, não pode ser equiparado ao Israel da Bíblia. O facto de uma parte significativa dos cidadãos israelitas—, cerca de 60%, se identificarem como ateus ou seculares mina ainda mais a afirmação de que o Estado moderno representa o cumprimento da aliança de Deus com o Seu povo.

A má interpretação da profecia bíblica

Muitos cristãos que apoiam o moderno Estado de Israel fazem-no sob a crença de que o restabelecimento de uma pátria judaica na Palestina é um cumprimento da profecia bíblica. Eles apontam para passagens como Gênesis 12:3, onde Deus diz a Abraão, “abençoarei aqueles que te abençoarem, e quem te amaldiçoar eu amaldiçoarei,” como evidência de que os cristãos devem apoiar incondicionalmente o estado de Israel.

No entanto, esta interpretação ignora aspectos-chave da hermenêutica bíblica. Primeiro, as promessas feitas a Abraão e aos seus descendentes nunca foram apenas sobre a terra física, mas sobre o seu papel na redenção espiritual da humanidade, culminando na vinda de Jesus Cristo. Gálatas 3:16 esclarece que estas promessas encontram o seu cumprimento final em Cristo: “As promessas foram ditas a Abraão e à sua descendência. As Escrituras não dizem ‘e às sementes,’ significa muitas pessoas, mas ‘e à sua semente,’ significa uma pessoa, que é Cristo.”

Em segundo lugar, a terra física de Israel sempre esteve ligada à relação de aliança com Deus, que incluía responsabilidades morais e éticas. O Israel da Bíblia deveria defender a justiça, cuidar dos pobres e viver em obediência aos mandamentos de Deus. O moderno Estado de Israel, pelo contrário, tem estado envolvido num conflito contínuo com os palestinianos, muitos dos quais foram deslocados, oprimidos e sujeitos ao que muitos chamam de injustiça e violência sistémicas. O conflito em curso em Gaza, onde os militares israelitas foram acusados de crimes de guerra e de assassinato de civis inocentes, contrasta fortemente com o mandato bíblico de justiça e misericórdia.

O fracasso moral do sionismo cristão

Os cristãos que apoiam acriticamente as ações do moderno Estado de Israel, muitas vezes citando a profecia bíblica, perderam sua bússola moral. Ao fechar os olhos ao sofrimento dos palestinos, incluindo os cristãos que vivem em Gaza e na Cisjordânia, esses cristãos traem a própria mensagem do Evangelho. Jesus Cristo ensinou amor, justiça e mercy—valores que não podem ser conciliados com a opressão violenta de qualquer povo.

Além disso, os cristãos que apoiam o estado político de Israel com base na leitura da Bíblia criaram, com efeito, uma imagem distorcida de God—one que se alinha mais com o nacionalismo e o poder político do que com o Deus revelado em Jesus Cristo. Este é um passo em falso perigoso, pois substitui o Deus da justiça e da compaixão por um deus estranho, que abençoa a injustiça e a opressão.

Conclusão: O atual Estado de Israel não é o Israel de Deus

É um erro profundo equiparar o estado moderno de Israel ao Israel da Bíblia. O actual Estado israelita é uma entidade política criada através de objectivos seculares e sionistas, e não do cumprimento das promessas da aliança de Deus. Opera sem consideração pelos princípios bíblicos de justiça, misericórdia e justiça que Deus ordenou que Seu povo seguisse.

Os cristãos devem reconhecer que o verdadeiro Israel de Deus não é definido pela nacionalidade ou pela terra mas pela fidelidade à vontade de Deus, como revelado em Jesus Cristo. Continuar a apoiar incondicionalmente o Estado de Israel, face às suas falhas morais e ao sofrimento contínuo do povo palestiniano, é abandonar os ensinamentos de Cristo e interpretar mal as promessas das Escrituras. Busquemos, portanto, a paz, a justiça e a verdade, lembrando que o reino de Deus transcende a política e as fronteiras terrenas.

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Pássaros Não Bombas: Vamos Lutar por um Mundo de Paz, Não pela Guerra 

Prof. Ruel F. Pepa é um filósofo filipino radicado em Madrid, Espanha. Acadêmico aposentado (Professor Associado IV), lecionou Filosofia e Ciências Sociais por mais de quinze anos na Trinity University of Asia, uma universidade anglicana nas Filipinas. Ele é um colaborador regular da Global Research.

Fontes

A Invenção da Terra de Israel: Da Terra Santa à Pátria por Shlomo Sand (2012).

Sionismo: uma breve história de Michael Stanislawski (2017).

A Limpeza Étnica da Palestina por Ilan Pappé (2006).

A Bíblia e a Terra: Um Encontro de André Trocmé (2010).

Sionismo Cristão: Roteiro para o Armagedom? por Stephen Sizer (2004).

Imagem em destaque: O Mosaico de Rehob, delineando os limites da Terra de Israel e as leis aplicáveis dentro dela. (Licenciado sob CC BY-SA 3.0).

Imagem: Famílias palestinianas atravessam bairros destruídos na Cidade de Gaza em 24 de Novembro de 2023, quando a trégua temporária entre o Hamas e o exército israelita entra em vigor (MEE/Mohammed al-Hajjar)

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