Tomás Fazi
No seu discurso sobre o Estado da União de
2025, von der Leyen sinalizou a sua intenção de continuar a prosseguir as
políticas que enfraqueceram a Europa
Tomás Fazi
O discurso do Estado da União de Ursula von
der Leyen, em 2025, ofereceu poucas surpresas. Foi a habitual mistura de
promessas vãs, jargão tecnocrático e postura moral hipócrita que se tornou a
sua imagem de marca. Por outras palavras: mais do mesmo.
O discurso, proferido num tom orwelliano
familiar, incluiu palavras como liberdade, paz, prosperidade e independência —
embora a UE continue a prosseguir políticas que minam tudo isto, promovendo a
guerra e a militarização, reprimindo a liberdade de expressão, sabotando a
economia europeia com políticas energéticas e comerciais autodestrutivas e
subordinando ainda mais o continente à agenda estratégica de Washington.
Como era de esperar, von der Leyen abriu com a
Rússia — a principal questão de Bruxelas. "A Europa está numa luta. Uma
luta por um continente inteiro e em paz... uma luta pelo nosso futuro",
declarou, anunciando um novo "Semestre Europeu da Defesa" e um
"roteiro claro" para a prontidão da defesa até 2030, enfatizando o
compromisso inabalável do bloco com a NATO. Anunciou que os europeus deveriam
preparar-se para um futuro caracterizado pela militarização permanente, incluindo
um "muro de drones" ao longo do flanco leste da UE e vigilância
espacial em tempo real para que "nenhum movimento de tropas passe
despercebido". Além disso, prometeu um programa de "Vantagem Militar
Qualitativa" para a Ucrânia e uma "aliança de drones" com Kiev,
financiada por um controverso "empréstimo de reparações" lastreado
pelos lucros de ativos russos congelados.
Von der Leyen virou-se então para Israel e
Gaza. Apesar das provas avassaladoras de atrocidades — incluindo aquilo a que
importantes instituições humanitárias e especialistas em genocídio chamaram
genocídio —, a UE não suspendeu quaisquer acordos comerciais ou de cooperação
com Israel, muito menos impôs sanções. O contraste com a sua resposta à invasão
da Ucrânia pela Rússia não podia ser mais gritante.
Para salvar a sua credibilidade, von der Leyen
anunciou que a Comissão "suspenderia o nosso apoio bilateral a
Israel" e propôs sanções contra "ministros extremistas e colonos
violentos", além de uma suspensão parcial do Acordo de Associação. No
entanto, como apenas os actores mais pequenos foram visados e as
medidas exigem a aprovação unânime dos Estados-membros — uma condição praticamente impossível —, isto foi
pouco mais do que uma fachada para proteger a sua declarada aliança firme com
Israel.
A agenda do alargamento voltou a ser o centro
das atenções. "Ucrânia, Moldávia, os Balcãs Ocidentais – o seu futuro
reside na nossa União", declarou, sublinhando o implacável impulso
expansionista da UE.
Na vertente económica, o discurso tornou-se um
sonho. Von der Leyen prometeu um Fundo Scaleup Europe para
startups, gigafábricas de IA, um Pacote de Reforço de Baterias e
uma Lei de Aceleração Industrial — tudo com o objetivo, disse
ela, de tornar a UE líder em tecnologia e IA. O discurso do ano passado estava
repleto de promessas semelhantes — quase nenhuma delas se concretizou, como
observou o Politico.
Ao abordar um dos principais problemas que
afectam tanto a indústria como as famílias europeias — os elevados preços da
energia — von der Leyen fez a surpreendente afirmação de que estes problemas
eram causados pela "dependência dos combustíveis fósseis russos", e não pela própria decisão da UE de cortar o acesso ao gás russo
acessível e substituí-lo por GNL americano, muito mais caro. Agravou ainda mais esta distorção ao
afirmar que "a Europa está a caminho da independência energética",
quando, na realidade, o continente simplesmente trocou a proximidade pela
distância, ficando ainda mais dependente das importações de fornecedores
distantes, expostos à volatilidade dos mercados globais.
Von der Leyen provocou risos audíveis ao
declarar que "o futuro dos automóveis e os automóveis do futuro devem ser
feitos na Europa" — um slogan vazio que soava absurdo, dada a profunda
crise que a indústria automóvel europeia enfrenta, principalmente devido às
sufocantes regulamentações da UE. Chegou mesmo a defender o recente acordo
comercial UE-EUA — amplamente aclamado como uma capitulação — como "o
melhor acordo possível".
O discurso atingiu o seu clímax surreal quando
ela apresentou uma “estratégia europeia de combate à pobreza” que ajudaria a
“eliminar a pobreza até 2050” — embora as taxas de pobreza na UE tenham
aumentado desde que ela assumiu o cargo em 2019, principalmente devido às
sanções e a uma política energética defendida pela própria Bruxelas.
Mas a parte mais ameaçadora do discurso de von
der Leyen ocorreu quando ela falou de "novas ferramentas" para impor
o Estado de direito e combater a "manipulação da informação" e a
"desinformação". Para tal, reiterou a necessidade de um "Escudo
Europeu da Democracia" e de um "Centro Europeu para a Resiliência
Democrática" para combater a propaganda supostamente perigosa. Ao fazê-lo,
previu novas invasões da liberdade de expressão e a criminalização da dissidência,
e anunciou novas campanhas de propaganda patrocinadas pela UE sob o lema de
"apoiar o jornalismo independente e a literacia mediática".
Em última análise, o relatório sobre o Estado
da União de 2025 de von der Leyen foi menos um roteiro para o futuro da Europa
do que um catálogo de fracassos disfarçados de triunfos. Como de costume, ela
atribuiu os problemas da Europa a inimigos externos — Rússia, China,
desinformação —, ignorando o verdadeiro problema: o próprio modelo
supranacional da UE, com as suas rígidas restrições políticas e económicas. Ao
apelar a ainda mais centralização, incluindo a abolição da unanimidade em áreas
políticas-chave, von der Leyen sinalizou a sua intenção de redobrar a aposta
nas mesmas políticas que enfraqueceram a Europa. O que ela ofereceu não foi
renovação, mas mais do mesmo — uma União cada vez mais militarizada, dependente
e autoritária.

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