Avançar para o conteúdo principal

O dossier Georges Ibrahim Abdallah

Thierry Meyssan

O nosso amigo e colaborador, Hassan Hamadé, que participou na mediação de Msr. Hilarion Cappuci para a libertação de Georges Ibrahim Abdallah, testemunha aqui o combate deste militante libanês pela causa palestiniana.

Georges Ibrahim Abdallah

Oicónico militante Georges Ibrahim Abdallah passou 41 anos nas celas de isolamento das prisões francesas, acusado de crimes dos quais ele era totalmente inocente.

O seu dossiê foi alvo de uma ampla falsificação judicial, política e mediática, orquestrada pelas autoridades francesas e pelas forças políticas do país. Ele foi presente a um júri totalmente condicionado, surdo aos apelos e súplicas dos próximos das vítimas dos atentados de Paris de 1986, e disseram-lhe : «Deixai esta “justiça” pronunciar-se, ela é fiel à divisa da República : Liberdade – Igualdade – Fraternidade».

A situação de Georges Ibrahim Abdallah lembra a dos primeiros cristãos que as autoridades imperiais romanas mandavam para as bestas esfomeadas na arena do Coliseu… sob os aplausos do público.
Foi exactamente o que aconteceu ao militante líbano-palestiniano, nacionalista, internacionalista e profundamente humano defensor dos oprimidos da Terra, Georges Ibrahim Abdallah.

As autoridades francesas detiveram-no em 1984, a seguir ao assassínio de dois diplomatas — um Norte-americano e um Israelita — em Paris, em 1982 : Charles Ray, adjunto do adido militar da embaixada os Estados Unidos, e Yaakov Bar-Simentov, segundo conselheiro na embaixada de Israel.

Georges nada teve a ver com esses dois casos. Naturalmente, ele negou qualquer responsabilidade, afirmando que nunca negaria um acto que tivesse realmente cometido, sobretudo se fosse guiado por princípios morais e políticos. Os investigadores descobriram nele um tipo de homem que nunca tinham conhecido : grande educação, suave como seda, mas duro como o aço. Desde o princípio, disse-lhes que, para ele, esses assassinatos faziam parte da luta de uma resistência legítima. Era uma maneira de dizer : «Isso seria uma honra, mas não fui eu».

Os guardiões da «justiça», os seus superiores e aqueles que os manipulam dos bastidores perceberam que era preciso destruir este tipo de revolucionário honesto, integro e inabalável. Portanto, decidiram desrespeitar a Lei, acusá-lo falsamente e atirá-lo a vida inteira para uma cela, para fazer dele um exemplo. Já que ele é indomável.

Compreenderam uma coisa : ele conhecia-os melhor do que eles podiam percebê-lo. Isso trouxe-lhes um complexo de inferioridade, reforçado pela clareza do seu compromisso, pela força da sua vontade e pelo requinte dos seus sentimentos. Era um ser «estranho», diziam eles...

Os atentados de Paris – 1986

Estava-se em 1986. As explosões multiplicavam-se em Paris. E eles disseram : Este homem tem que estar forçosamente ligado à organização revolucionária responsável por estes atentados ... E mesmo que nada prove o seu envolvimento, o que é que interessa! Iremos colar-lhe estas acusações, contornando a lei, a fim de impedir Georges Abdallah de escapar as garras do sionismo. Só por si a Lei não basta. É preciso manipulá-la.

Aqui, basta lembrar o papel terrivelmente manipulador dos média (mídia-br) franceses no condicionamento da opinião pública. Deram uma fachada de legitimidade a uma espécie de «justiça popular», lembrando as horas sombrias da Revolução Francesa — a mãe de todas as revoluções sangrentas —, uma justiça de rua que impõe o seu ditame aos tribunais. E a rua ressoava os gritos das vítimas e das suas famílias, seguindo a cadência ditada pela propaganda sionista que os média difundiam sem filtro.

Assim, os dossiês foram quase sempre baralhados no espírito de um público endoutrinado. Georges Ibrahim Abdallah viu-se no centro de todas as acusações, no centro da arena. As buscas policiais, o assédio e as suspeitas começaram a sufocar os estrangeiros, julgados com base na cor da pele. Uma segregação racial flagrante instalou-se nas ruas e nos locais públicos. O terrorismo de Estado — oficial e organizado — impôs-se. Os Partidos políticos, seus chefes e suas associações aumentando então a parada de forma abjecta. Aquele que acusasse mais ruidosamente o «inimigo da humanidade», Georges Ibrahim Abdallah, marcava mais pontos na “batalha política”.

Georges, «oinimigo da humanidade»

À época, as linhas vermelhas entre o Leste e o Ocidente começavam a cair. A União Soviética, com Mikhail Gorbachev, chegado à cabeça do Partido Comunista, iniciava grandes reformas estruturais, a famosa Perestroika, acompanhada da glasnost («transparência»). Estas reformas iriam precipitar o colapso da URSS e de todo o seu sistema de alianças.

Paralelamente, as guerras intensificavam-se:

• No Afeganistão, onde o Ocidente apoiava com toda a força os Mujahedins contra o Exército soviético, que tinha invadido o país no fim de 1979. Os fundos árabes financiavam esse esforço militar. Os média ocidentais incensavam estes combatentes da «liberdade», enquanto os senhores da guerra, como Ahmad Shah Massud — apelidado de «Leão de Panjir» — eram erigidos a heróis pela imprensa parisiense. A religião islâmica do mujahedhins não incomodava, de forma alguma, os Ocidentais, uma vez que o apelo à jiade visava a URSS mas não o Ocidente.

• Paralelamente, a Guerra Irão-Iraque, lançada em 1980 pelo ataque de Saddam Hussein contra o Irão, estava no auge. Todo o Ocidente se enfileirava atrás de Bagdade, financiando-o, armando-o, supervisionando as suas campanhas, com o apoio financeiro do Golfo. O Irão tinha cometido o «imperdoável» : romper com Israel, se posicionando como chefe de fila do anti-sionismo e transformando a embaixada de Israel em Teerão na embaixada da Palestina. Era preciso puni-lo : foi a campanha «Qadissiyat Saddam». Nesse contexto, os Anglo-Saxões reacenderam o velho conflito sunitas-xiitas, velho de 1. 400 anos, um conflito que eles sabiam ser promissor para os seus interesses.

Insulto cultural ao Ocidente e submissão política

Assim, cada guerra tinha a sua «jiade», cada luta os seus «mujahedins». Esta jiade apoiava-se sobre dois pilares contraditórios e no entanto entrelaçados : a hostilidade cultural ao Ocidente, e em simultâneo, a dependência política em relação a ele. Uma esquizofrenia mantida pelo próprio Ocidente.
Paralelamente ao Afeganistão e ao Golfo, Israel lançava a sua guerra contra o Líbano (1982) e atingia Beirute, provocando o nascimento de uma resistência face à ocupação. Foi assim que apareceu a Joumhouriyat al-Muqawama al-Wataniyya al-Lubnaniyya («Frente de Resistência Nacional Libanesa»), depois o Hezbolla oriundo do movimento Amal – fundado pelo Imã Moussa Sadr, misteriosamente desaparecido após ter sido traído pelos seus. Rapidamente, o Hezbolla se torna uma das forças de resistência mais poderosas no mundo, próxima do Irão.

Georges, símbolo destas lutas

Georges Ibrahim Abdallah é o fruto de todos estes intrincados contextos, com a Palestina como espinha dorsal.

Depois, sucederam-se os violentos atentados em plena Paris, que puseram a claro o papel malsão da classe política francesa neste «jogo macabro». Uns e outros buscaram tirar partido dessa grave crise de segurança em luta pelo Poder, opondo uma direita radical a uma esquerda socialista inteiramente submetida a Israel.

Em 1986, François Mitterrand terminava a primeira metade do seu mandato (iniciado em 1981). Mas, após a derrota dos socialistas e comunistas nas legislativas de 1986, o poder executivo virou para a direita : Jacques Chirac tornava-se Primeiro-Ministro de novo.

Então, a França entrou na chamada fase da «coabitação», um presidente socialista e um primeiro-ministro de direita, fortemente hostil ao presidente. A Constituição da Quinta República – talhada sob medida para Charles de Gaulle — dá na prática as rédeas do executivo ao Primeiro-Ministro para os assuntos internos, limitando o papel do Presidente à diplomacia e à defesa.

Os atentados de Dezembro de 1985 e de Setembro de 1986 tornaram o dossiê de segurança mais sensível. Mitterrand e Chirac disputavam já entre si a eleição presidencial de 1988, cada um apoiado por redes financeiras e diplomáticas poderosas, inclusive no mundo árabe.

Georges: refém das manobras políticas francesas

O dossiê de Georges Ibrahim Abdallah tornou-se então uma questão central nas rivalidades e apostas da política francesa, instrumentalizada por cada campo. E, nos dois casos, o lóbi sionista, poderoso e transversal, é que puxava os cordelinhos. Este lóbi controla há muito os centros de decisão em França e opera independentemente das clivagens partidárias.

A sua agenda é clara : manter a sociedade francesa em estado de mobilização permanente contra a Palestina e contra qualquer pessoa — cidadão, intelectual, militante ou artista — que demonstre a mínima simpatia pela causa palestiniana. Não foi por um acaso que o poder real em França tivesse passado das instituições republicanas para as casas financeiras, num um Golpe de Estado silencioso, orquestrado em Janeiro de 1973.

Nessa data, o Presidente Georges Pompidou, antigo director do Banco Rothschild, e o seu Ministro das Finanças, Valéry Giscard d’Estaing, fizeram votar discretamente uma lei proibindo o Banco da França de emitir moeda nacional para financiar o Estado. Este poder foi transferido para bancos privados, nomeadamente o Banco Rothschild, à semelhança do que se tinha passado nos Estados Unidos em 1913. Este decreto foi baptizado pelos iniciados : a «Lei Pompidou – Giscard – Rothschild".

Esta viragem abriu a via à oligarquia financeira, facilitando a tomada do Estado por interesses privados e reduzindo a soberania popular a um simulacro. De passagem, deve notar-se que o actual Presidente, Emmanuel Macron, foi ele também um quadro dos Rothschild, perpetuando esta tradição.

Nesta lógica, Georges Ibrahim Abdallah é percebido pelos círculos sionistas como a encarnação viva da Palestina, portanto como um homem a abater — não fisicamente, mas moralmente, politicamente, judicialmente. Ele incarna aquilo que o Ocidente quer erradicar: a dignidade resistente.

Portanto, é impossível fazer apelo ao bom senso, à lei ou à razão num clima em que os média instrumentalizam a emoção colectiva, onde a «procura por terroristas» se torna um álibi para rastrear exclusivamente os estrangeiros, e prioritariamente os muçulmanos.

Volta-se então aos métodos da França de Vichy : a delação, a suspeita, a discriminação. Mesmo judeus anti-sionistas, portanto hostis a Israel, penavam para publicar seus escritos denunciando as semelhanças entre o comportamento do Estado francês e o do regime de Vichy. Acabaram censurados. A polícia francesa de hoje faz lembrar por vezes, pelo seu zelo, aquela que perseguia os judeus insubmissos em colaboração com a Gestapo.

Neste contexto, a parada das apostas políticas atingiu máximos. O Partido Socialista não hesitava em atiçar as chamas, esperando fazer cair o governo de direita, assim garantir a reeleição de Mitterrand e o regresso das suas redes ao Poder.

O imã Ruhollah Khomeiny e Msr. Hillarion Capucci

O recurso ao Arcebispo Capucci – mediação e duplicidade de Estado

Confrontado com uma situação de segurança explosiva e temendo que isso destruísse as suas hipóteses nas eleições presidenciais de 1988, Jacques Chirac e o seu circulo político decidiram, com base em relatórios das secretas, que era preciso procurar uma solução... no estrangeiro. Mais precisamente, designaram um «inimigo oficial» da França — a Síria — como sendo, paradoxalmente, o único capaz de conter as organizações mencionadas nos relatórios de segurança.

Mas, à época, as relações franco-sírias estavam no seu ponto mais baixo desde a luta pela independência dos anos 1940. Era, pois, necessário encontrar um mediador respeitado por todos, capaz de dialogar com a Síria, embora mantendo uma certa proximidade com o Ocidente. A escolha recaiu em Msr Hilarion Capucci, antigo Arcebispo de Jerusalém, exilado em Roma, conhecido pelo seu envolvimento em favor da causa palestiniana, simultaneamente respeitado em Teerão, em Damasco e no Magrebe — e já reconhecido por ter levado a cabo uma mediação bem-sucedida entre Teerão e Washington em relação ao caso dos reféns americanos, entregando pessoalmente os corpos dos soldados mortos durante a abortada operação de Tabas à Cruz Vermelha, em Genebra.

Uma noite, o telefone tocou no humilde apartamento romano de Msr Capucci. No outro lado da linha :
— «Sou Robert Pandraud, Ministro da Segurança da República Francesa».

Após algumas palavras de cortesia, o ministro entrou no cerne da questão:
— «Os atentados de Paris, os assassinatos, Georges Ibrahim Abdallah, a ameaça de novos banhos de sangue… A República conta consigo para salvar vidas».

O arcebispo, fiel aos seus princípios, aceitou a mediação. De imediato, ele chamou dois dos seus próximos colaboradores (incluindo o autor deste texto):
— «Amanhã, às 13h, aterro no Aeroporto Charles de Gaulle. Esteja lá. Detalhes amanhã».

No dia seguinte, no aeroporto, o Arcebispo Capucci não desceu com os passageiros. Após uma longa espera, um segurança se aproximou:
— «Você está à espera do Monsenhor, não é ? Ele já está em Paris. Ele vai lhe ligar».

Por volta das 20h, chegou a ligação. O Arcebispo Capucci havia sido discretamente escoltado até uma residência particular. Ele recusou a oferta de se alojar na residência honorária, preferindo ficar num apartamento modesto. Declarou então:
— «Somos uma equipe de três. E, amanhã, irei pedir aos Ministros Charles Pasqua e Robert Pandraud que me autorizem a visita a Georges Ibrahim Abdallah na prisão, condição prévia a qualquer mediação séria entre Paris e Damasco. Depois do que vivenciei com os Americanos, já não tenho confiança em promessas verbais».

No dia seguinte, o Ministro Pandraud, muito embaraçado, pediu desculpas pela ausência de Pasqua, supostamente retido por «assuntos de Estado». Ele fustigou violentamente a Oposição socialista, acusando-a de privilegiar seus interesses eleitorais em detrimento da segurança nacional. Insistiu na natureza confidencial da visita e na necessidade de sigilo absoluto para evitar o fracasso da missão.

Mas, Pasqua brilhou de novo pela ausência. Na realidade, Pasqua havia publicamente prometido aos Franceses que jamais negociaria com terroristas, nem directa, nem indirectamente. Ele temia que a revelação desta mediação destruísse a credibilidade do governo e sabotasse as suas ambições pessoais.

No entanto, a informação sobre a presença de Msr Capucci em Paris passou para os média próximos do lóbi sionista, provocando pânico no seio da equipa Chirac. A esquerda socialista, dirigida por Mitterrand, aproveitou a ocasião para acusar o governo de «negociar secretamente com os terroristas responsáveis pelo sangue francês derramado», chegando até a designar Capucci como o «o bispo terrorista». Os ataques tornaram-se virulentos, choveram os insultos desde o segundo dia.

Face a esta pressão, o Ministro Pandraud cedeu e aceitou a condição do prelado: uma visita a Georges Ibrahim Abdallah na prisão de “la Santé”, a algumas centenas de metros apenas do modesto apartamento de Capucci, na rue Arago, no 14º “arrondissement”(circunscrição-ndT) de Paris.

O encontro na prisão de la Santé – Capucci e Vergès encantados com George

Muitos estados árabes e o persa emitiram selos em homenagem ao bispo Hilarion Capucci

Nesse dia, o Arcebispo Capucci foi escoltado pelo protocolo até a prisão de “la Santé”, num quarteirão residencial de Paris. Um incidente «acidental» sobreveio : as viaturas oficiais, com pirilampos acesos soando, pararam bem em frente dos escritórios da agência Gamma, uma das mais importantes agências de fotografia e TV do mundo. Os jornalistas viram aí com os seus próprios olhos Msr Capucci entrar na viatura.

Um «erro» que não foi casual. Os sionistas infiltrados no seio dos gabinetes Pasqua-Pandraud tinham orquestrado deliberadamente esta brecha de segurança, atirando assim lenha para o fogo mediático. A polémica explodiu : a direita estaria em vias de pactuar com grupos extremistas, apesar das suas promessas.

Apesar disso, teve lugar o encontro entre Georges Ibrahim Abdallah e Msr. Capucci. Dois combatentes por uma mesma causa : a Palestina.

Antes de se encontrarem, eles tinham trocado algumas palavras por escrito e, depois, cara a cara, falaram em voz baixa, por causa de dois riscos :
1. A presença de dispositivos de escuta sofisticados.
2. Câmaras capazes de ler os lábios – um processo que Msr Capucci havia conhecido durante o encontro entre o Papa João Paulo II e Mehmet Ali Ağca na prisão romana de Rebibbia.

À saída, Msr Capucci estava impressionado. Declarou aos seus próximos :
«
Georges é inocente. Inocente. Inocente. É uma personalidade das mais excepcionais que jamais conheci. Marcou-me profundamente».

Do lado do governo, o duo Chirac-Pasqua percebeu que estava a perder o controle. A situação escapava-lhes, e a manipulação política virava-se contra eles.

Os observadores lúcidos da época viram então toda a baixeza da classe política ocidental, pronta a atropelar a Lei, os direitos fundamentais e os princípios morais em nome de interesses partidários ou financeiros. Sem qualquer escrúpulo. Sem qualquer lealdade. Até os interesses estratégicos da nação podiam ser sacrificados no altar das ambições pessoais.

Mestre Jacques Vergès e o seu cliente e amigo, Georges Ibrahim Abdallah

Traições em série – a duplicidade francesa exposta

Um facto revelador: Roland Dumas, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) e amigo pessoal de Msr Capucci — ele até tinha participado na sua defesa durante o julgamento em Israel —, recusou apoiar a mediação. Por quê? Porque queria assegurar a reeleição de François Mitterrand, a fim de que ele próprio pudesse vir a ser ministro. Portanto, traiu tanto seu amigo Capucci quanto os seus próprios princípios.

Quanto a Mestre (Dr.) Jacques Vergès, um dos mais célebres advogados criminais do século XX, aceitou defender Georges Ibrahim Abdallah. Ficou também profundamente marcado por ele. Um dia disse a Capucci e ao autor deste texto :
«Não estamos a lidar com instituições ou com governos. São máfias. E a oposição presidencial (o Partido Socialista) está disposta a fazer correr rios de sangue se isso servir os seus interesses».

Um outro episódio confirma isto: Yves Bonnet, antigo Director da DST (Secreta do Interior), contou ao jornalista Bassam Kantar que havia chegado a um acordo com o Chefe da Secreta argelina, Lakhal Ayat, para obter a libertação de Georges Ibrahim Abdallah. Mas, ao regressar a França, os seus superiores desautorizaram-no de forma brutal: «Não. O acordo é nulo. Esqueça-o»

Tudo isto ilustra a que ponto o dossier Georges Abdallah é um caso clássico de injustiça e de manipulação estatal. Aqueles que cruzaram o seu caminho amaram-no, admiraram-no, respeitaram-no.

E, no entanto, durante mais de 25 anos, o Departamento de Estado dos Estados Unidos exerceu pressões sistemáticas sobre o sistema judicial francês para impedir a sua libertação, atropelando assim, uma vez mais, a separação de poderes na «pátria das Luzes e dos Direitos do homem».

Georges Ibrahim Abdallah paga — ainda hoje — o preço da sua dignidade e do seu compromisso para com a Palestina. Ele mantém a causa viva através da nobreza das suas posições, e ele é, enquanto viva, um mártir.

O emissário francês a Hafez al-Assad – uma sabotagem organizada
Nesta fase, os dirigentes franceses agiam como se o interesse nacional pouco lhes importasse.

Primeiro, eles tentaram convencer Msr Capucci a ir a Damasco pedir ao Presidente Hafez al-Assad que interviesse a fim de «travar as organizações extremistas» ligadas à Palestina. Mas o Arcebispo recusou categoricamente e disse ao Ministro Pandraud :
Quem é que me garante que vocês irão cumprir os vossos compromissos para com Assad se ele algum dia vos estender a mão ? Eu aprendi a não confiar mais em promessas verbais. Os Americanos haviam-me jurado mundos e fundos aquando da crise dos reféns em Teerão, em troca de uma mediação junto do Imã Khomeini. E, no entanto, eles mentiram e traíram. Mesmo depois dos Iranianos terem feito prova de boa-fé ao remeterem-me os restos mortais dos soldados mortos na operação Tabas. Cabe-vos a vós, Franceses, ir a Damasco. E parai de o insultar publicamente se pretendeis negociar secretamente com ele».

Capucci impôs uma condição estrita:

«O vosso emissário deve ser um ministro de alto nível, respeitado e influente».

Mas forças invisíveis, agindo nos bastidores, propuseram designar como enviado especial… Michel Aurillac, Ministro da Cooperação. Uma manobra claramente destinada a fazer falhar a missão. Porque na Síria ter-se-ia logo compreendido que um Ministro das Colónias francesas do ultramar não tinha qualquer peso. A reacção de Assad teria sido explosiva. E a iniciativa diplomática sabotada.

Vergès: «Estamos face a um sistema mafioso»

Durante um jantar confidencial reunindo Msr Capucci, Jacques Vergès, Sarkis Abou Zeid e o autor deste texto. Vergès lançou esta frase glacial :
«Os sionistas estão presentes em todas as engrenagens do Estado francês.
Temos que fazer face a gangues, não a Estados. A Oposição presidencial está pronta para fazer explodir as ruas de Paris em torrentes de sangue se isso servir os seus propósitos nefastos».

E os acontecimentos iam dar-lhe razão.

Conclusão provisória

O dossiê Georges Ibrahim Abdallah vai muito para além do quadro de um prisioneiro político esquecido. Tornou-se uma questão de Estado, uma falha moral, um espelho estendido à República Francesa, no que ela tem de mais vergonhoso.

Durante mais de 40 anos, o Estado francês, sob pressão directa dos Estados Unidos e do lobby sionista, manteve um homem inocente atrás das grades. Não por aquilo que ele fez. Mas pelo que ele incarna.

Em 17 de Julho de 2025, o Tribunal de Recurso de Paris autorizou a sua libertação, com deportação imediata para o Líbano. O Procurador Geral interpôs imediatamente um recurso, sem efeito suspensivo, o que não impediu a sua colocação em liberdade e a sua deportação.

Fonte 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Venezuela. A farsa do "Prêmio Nobel da Paz" continua: agora, ele é concedido à venezuelana de extrema direita, golpista e sionista, María Corina Machado

The Tidal Wave O Comitê Norueguês do Nobel, nomeado pelo Parlamento do Reino da Noruega, concedeu o Prêmio Nobel da Paz a María Corina Machado, a fervorosa líder de extrema direita que defendeu abertamente a intervenção militar estrangeira na Venezuela, apoiou inúmeras tentativas de golpe e é uma aliada declarada do projeto sionista, do regime de Netanyahu e de seu partido Likud. Sua indicação se soma a uma série de indicações ao "Prêmio Nobel da Paz" que mostram o perfil tendencioso e manipulador do prêmio, desde Henry Kissinger em 1973 (mesmo ano em que orquestrou o golpe de Estado no Chile), a Barack Obama, governante que promoveu uma série de intervenções militares e golpes de Estado em vários países (Honduras, Líbia, Síria, entre outros), ao representante da dinastia feudal lamaísta e financiado pela CIA "Dalai Lama", o "lavador de imagens" de empresas e lideranças nefastas Teresa de Calcutá, ou o ex-presidente de direita Juan Manuel Santos, ministr...

“O modelo de negócio das empresas farmacêuticas é o crime organizado”

Por Amèle Debey Dr. Peter Gøtzsche é um dos médicos e pesquisadores dinamarqueses mais citados do mundo, cujas publicações apareceram nas mais renomadas revistas médicas. Muito antes de ser cofundador do prestigiado Instituto Cochrane e de chefiar a sua divisão nórdica, este especialista líder em ensaios clínicos e assuntos regulamentares na indústria farmacêutica trabalhou para vários laboratórios. Com base nesta experiência e no seu renomado trabalho acadêmico, Peter Gøtzsche é autor de um livro sobre os métodos da indústria farmacêutica para corromper o sistema de saúde. Quando você percebeu que havia algo errado com a maneira como estávamos lidando com a crise da Covid? Eu diria imediatamente. Tenho experiência em doenças infecciosas. Então percebi muito rapidamente que essa era a maneira errada de lidar com um vírus respiratório. Você não pode impedir a propagação. Já sabíamos disso com base no nosso conhecimento de outros vírus respiratórios, como a gripe e outros cor...

A fascização da União Europeia: uma crónica de uma deriva inevitável que devemos combater – UHP Astúrias

Como introdução O projecto de integração europeia, de que ouvimos constantemente falar, surgiu no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, fruto de uma espécie de reflexão colectiva entre as várias burguesias que compunham a direcção dos vários Estados europeus. Fruto da destruição da Europa devido às lutas bélicas entre as diferentes oligarquias, fascismos vorazes através das mesmas. O capital, tendendo sempre para a acumulação na fase imperialista, explorava caminhos de convergência numa Europa que se mantinha, até hoje, subordinada aos interesses do seu  primo em Zumosol,  ou seja, o grande capital americano.  Já em 1951, foi estabelecido em Paris o tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), com a participação da França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Estes estados procuravam recuperar as suas forças produtivas e a sua capacidade de distribuição, mas, obviamente, não podemos falar de uma iniciativa completamente aut...