Por Chris Hedges
Este artigo é lido por Eunice
Wong, atriz formada pela Juilliard e incluída na lista das Melhores
Narradoras da Audible. O seu trabalho está nas listas anuais
dos Melhores Audiolivros do New York Times, Audible, AudioFile e Library
Journal. www.eunicewong.actor
Texto publicado originalmente a 26 de maio
de 2025
Texto integral:
Existem poucas diferenças entre as mentiras
contadas para desencadear a guerra com o Iraque e as mentiras contadas para
desencadear uma guerra com o Irão. As avaliações das nossas agências de
informação e dos organismos internacionais são, tal como durante os apelos para
invadir o Iraque, levianamente descartadas como alucinações.
Todos os velhos clichés foram ressuscitados
para nos induzir noutro fiasco militar. Um país que não representa qualquer
ameaça para nós, nem para os seus vizinhos, está prestes a adquirir uma Arma de
Destruição Maciça (ADM) que põe em perigo a nossa existência. O país e os seus
dirigentes personificam a pura maldade. Liberdade e democracia estão em causa.
Se não agirmos agora, a próxima prova
cabal será uma nuvem em forma de cogumelo. A nossa superioridade
militar garante a vitória. Somos os salvadores do mundo. O bombardeamento
massivo, uma versão atualizada do Choque
e Pavor , trará paz e harmonia.
Ouvimos estas mentiras antes da guerra de 2003
no Iraque. Vinte e dois anos depois, ressuscitaram. Qualquer pessoa que defenda
as negociações, a diplomacia e a paz é um fantoche dos terroristas.
Aprendemos alguma lição com os fiascos no
Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria, para não falar da Ucrânia?
Todos os fantasmas que nos venderam estas
guerras passadas sob falsos pretextos, como o apresentador de talk shows
conservador Mark
Levin , Max
Boot — que escreve ,
"este imperativo estratégico argumenta a favor do bombardeamento de
Fordow", onde o programa de enriquecimento nuclear do Irão está enterrado
no subsolo — David
Frum , John
Bolton , o
general Jack Keane , Newt Gingrich , Sean
Hannity e Thomas
Friedman , regressaram para saturar as ondas hertzianas com um
alarmismo ofegante.
Não importa que o seu grande
plano para derrubar os talibãs no Afeganistão e depois invadir e
substituir os regimes no Iraque, Líbano, Síria, Líbia, Sudão, Somália — e
finalmente no Irão — lhes tenha explodido na cara. Não importa que a sua sede
de guerra tenha deixado centenas de milhares, talvez milhões de mortos, e
drenado triliões do Tesouro dos EUA. Não importa a pura idiotice dos seus
argumentos. Os seus megafones estão seguros. São cúmplices da indústria bélica,
neoconservadores sem cérebro e sionistas genocidas, que acreditam na regeneração
mágica do mundo através da violência, ignorando catástrofe após catástrofe.
Esqueçam
a Avaliação Anual de Ameaças da comunidade de
inteligência de que "o Irão não está a construir uma arma
nuclear e o líder supremo Khomeini não autorizou o programa de armas nucleares
que suspendeu em 2003", algo reiterado pelo
Director-Geral da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), Rafael
Grossi, esta semana. Esqueçam que Benjamin Netanyahu, durante quase três
décadas, tem vindo a
alertar , sem fôlego , que o Irão está prestes a produzir uma
arma nuclear. Esqueçam que o ataque preventivo
ao Irão por parte de Israel é um crime
de guerra , para não falar dos bombardeamentos de um hospital , ambulância e jornalistas .
Esqueçam as centenas de
civis iranianos que Israel massacrou nas suas vagas de ataques aéreos. Esqueçam
que Israel lançou o seu ataque ao Irão quando a sexta
ronda de negociações sobre enriquecimento nuclear entre os EUA e
o Irão estava prevista realizar-se em Omã. Esqueçam que é o primeiro-ministro
israelita, e não o líder do Irão, que está sujeito a um mandado de captura,
acusado de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Esqueça que Israel,
em plena campanha de genocídio contra os palestinianos, possui pelo
menos 90
armas nucleares — construídas em violação do Tratado de Não
Proliferação Nuclear (TNP) — e bloqueia as inspeções da AIEA. Esqueçam que
Donald Trump rasgou o Plano
Conjunto de Acção Integral (JCPOA) em 2018, um acordo para
limitar o programa nuclear iraniano, que o Irão estava a cumprir. Esqueçam que
Washington e Londres orquestraram o golpe
de 1953 para derrubar o governo democraticamente eleito do Irão,
o primeiro na região, e instalaram no poder o complacente Xá Mohammad Reza
Pahlavi. Esqueçam que os EUA, juntamente com Israel ,
treinaram e equiparam a SAVAK, a selvagem polícia
secreta do Xá.
Bomba! Bomba! Bomba!
O alegado programa de armas nucleares do Irão
é o equivalente, sem provas, das míticas
armas de destruição maciça de Saddam Hussein e da
sua aliança com a Al-Qaeda .
A
invasão e ocupação do Iraque , que levou à morte de mais de 4.000
soldados e fuzileiros navais norte-americanos e de centenas de milhares de
civis iraquianos, resultou numa destruição generalizada, instabilidade regional
e deu origem a uma série de grupos extremistas fanáticos, incluindo o Estado
Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS). As garantias — de que a nossa invasão
implantaria a democracia em Bagdad, que emanaria para
todo o Médio Oriente, de que seríamos recebidos
como libertadores e de que as receitas do petróleo pagariam a
reconstrução — eram uma fantasia sonhada
pela administração de George W. Bush e pelos think tanks de Washington. Estes
fanáticos da guerra sem fim não compreendem o mecanismo nem as consequências da
guerra. São cultural, histórica e linguisticamente analfabetos sobre os países
que atacam. Iraque. Afeganistão. Líbia. Síria. Irão. Duvido que consigam
perceber a diferença.
Estes defensores da guerra, uma vez provados
errados, são peritos em fazer mea culpas. Eles asseguram-nos das suas boas
intenções. Não pretendiam disseminar desinformação. Queriam apenas manter o
mundo a salvo dos "malfeitores" e proteger a nossa segurança
nacional. Ninguém, nem mesmo os que trabalham nas administrações Bush e agora
Trump, é intencionalmente desonesto. Não é culpa
deles se agem com base em informações falhadas. O problema é de julgamento, não
de virtude. São boas pessoas.
Mas esta, talvez, seja a maior mentira. As
avaliações de inteligência utilizadas para justificar a guerra contra o
Iraque foram
inventadas por uma conspiração de neoconservadores lunáticos e
sionistas furiosos porque não gostaram das avaliações da Agência Central de
Inteligência (CIA) e de outras agências de inteligência. Agora, outra
conspiração, dominada pelos
defensores da ideia de "Israel em primeiro lugar", está a inventar
avaliações de inteligência falsas para justificar uma guerra com o Irão. Estas
guerras não são conduzidas de boa-fé. Não se baseiam numa avaliação cuidadosa e
racional de informações verificáveis. São visões utópicas, dissociadas da
realidade, em que as nossas próprias agências de informação são ignoradas,
juntamente com organismos internacionais como as Nações Unidas, os inspectores
de armas de destruição maciça ou a AIEA.
A história do Irão moderno é a história de um
povo que luta contra tiranos apoiados e financiados pelas potências ocidentais.
O esmagamento brutal dos movimentos democráticos legítimos ao longo das décadas
resultou na revolução de 1979, que levou os clérigos iranianos ao poder. O novo
governo islâmico do ayatollah Ruhollah Khomeini defendeu o islamismo e defendeu
o confronto com as potências
mundiais "arrogantes" e os seus aliados regionais, que
oprimiam outros – incluindo os palestinianos – para servir os seus próprios
interesses.
“A história central do Irão nos últimos 200
anos tem sido a humilhação nacional às mãos de potências estrangeiras que
subjugaram e saquearam o país”, disse-me Stephen Kinzer, autor de “ Todos
os Homens do Xá: Um Golpe Americano e as Raízes do Terror no Médio Oriente ”.
“Durante muito tempo, os perpetradores foram os britânicos e os russos. A
partir de 1953, os Estados Unidos começaram a assumir esse papel. Nesse ano, os
serviços secretos norte-americano e britânico derrubaram um governo eleito,
exterminaram a democracia iraniana e colocaram o país no caminho da ditadura.”
“Depois, na década de 1980, os EUA aliaram-se
a Saddam Hussein na guerra Irão-Iraque, fornecendo-lhe equipamento militar e
informações que ajudaram a tornar possível ao seu exército matar centenas de
milhares de iranianos”, disse Kinzer. “Dado este historial, a credibilidade
moral dos EUA para se apresentarem como promotores da democracia no Irão é
quase nula.”
Pode ver uma entrevista que fiz a Kinzer sobre
o Irão aqui .
Como reagiríamos se o Irão orquestrasse um
golpe nos EUA para substituir um governo eleito por um ditador brutal, que
durante décadas perseguiu, assassinou e aprisionou activistas pela democracia?
Como reagiríamos se o Irão armasse e financiasse um Estado vizinho, como
fizemos durante a guerra de oito anos com o Iraque, para travar uma guerra
contra nós? Como reagiríamos se o Irão abatesse um dos nossos jactos de
passageiros, como fez o USS Vincennes (CG49) — apelidado de forma cáustica de
"Robocruiser" pelas tripulações de outras embarcações americanas —
quando, em Julho de 1988, disparou mísseis contra uma aeronave comercial
repleta de civis iranianos, matando todos os 290 passageiros, incluindo 66
crianças? Como reagiríamos se os serviços de informação iranianos patrocinassem
o terrorismo dentro dos EUA, como fazem os nossos serviços de informação e os
de Israel no
Irão ? Como reagiríamos se estes ataques terroristas patrocinados pelo
Estado incluíssem atentados suicidas, raptos, decapitações, sabotagens e
"assassinatos selectivos" de funcionários governamentais, cientistas
e outros líderes iranianos? Como reagiríamos se, tal como Israel, um país nos
atacasse com base numa hipótese, um ataque que é ilegal segundo a carta da ONU,
que proíbe a guerra preventiva?
Os proxenetas
da guerra que orquestram estes fiascos militares ressurgiram
mais uma vez da cripta. Migram como zombies de administração em administração.
Estão alojados em think tanks — Project
for the New American Century , American Business Institute, Foreign
Policy Research Initiative , Atlantic Council e Brookings Institution — financiados pelas empresas, pelo lobby israelita e pela
indústria bélica. São marionetas manipuladas pelos seus mestres, dotadas de
megafones por uma comunicação social falida, impelindo-nos a avançar de um
atoleiro para o outro.
Os velhos rostos e as velhas mentiras estão de
volta, exortando-nos a outro pesadelo.
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