A obra explora o papel de Estaline na industrialização da URSS, na vitória sobre o fascismo e na construção de um modelo alternativo ao capitalismo.
Por Gabriela Rojas
Estaline , de
Domenico Losurdo , é uma obra monumental que desafia as narrativas
predominantes sobre José Estaline, oferecendo uma análise rigorosa e
exaustivamente documentada que desmascara a propaganda anticomunista que
demonizou o líder soviético durante décadas. Originalmente publicado em
italiano e traduzido para várias línguas, este livro distingue-se pela sua
abordagem crítica e pela rejeição das simplificações históricas, convidando os
leitores a reconsiderar os preconceitos impostos pela historiografia ocidental
dominante.
Losurdo, filósofo marxista de formação, não
procura idealizar Estaline nem negar os aspectos controversos da sua liderança,
mas antes contextualizá-lo nas complexas circunstâncias históricas, políticas e
sociais da União Soviética do século XX. O autor defende que a diabolização de
Estaline tem sido uma ferramenta fundamental na propaganda anticomunista,
destinada a deslegitimar não só a figura, mas o projecto socialista no seu
todo. Para tal, Losurdo desfaz os mitos construídos em torno de Estaline, como
o do "tirano sanguinário" ou o do "maníaco genocida
irracional", e contrasta-os com dados históricos e comparações que revelam
um quadro mais matizado.
Um dos aspetos mais brilhantes do livro é a
análise das fontes. Losurdo examina como muitas das acusações contra Estaline
decorrem de testemunhos exagerados, manipulados ou descaradamente fabricados
durante a Guerra Fria, especialmente por autores como Robert Conquest, cujo
trabalho foi financiado e promovido por interesses anticomunistas. Por exemplo,
o autor questiona o número inflacionado de mortes atribuído às purgas ou ao
Gulag, mostrando como estas estimativas carecem frequentemente de um suporte documental
sólido e foram revistas em baixa por pesquisas mais recentes. Ao mesmo tempo,
Losurdo não foge às críticas legítimas: reconhece os erros, mas situa-os no
contexto de uma União Soviética cercada por ameaças internas e externas, desde
a contra-revolução à agressão nazi.
Outro aspecto notável é a comparação que
Losurdo faz entre Estaline e outros líderes históricos. Sublinha que, embora a
violência do colonialismo ocidental — como as fomes induzidas pelos britânicos
na Índia ou os massacres em África — seja frequentemente justificada ou
minimizada, as acções de Estaline são apresentadas como excepcionalmente
malévolas. Este duplo critério, segundo o autor, reflete um pendor ideológico
que procura preservar a hegemonia capitalista face ao desafio do socialismo.
A obra explora ainda o papel de Estaline na
industrialização acelerada da URSS, na vitória contra o fascismo na Segunda
Guerra Mundial e na construção de um modelo alternativo ao capitalismo. Losurdo
defende que estas conquistas, que transformaram um país atrasado numa
superpotência em apenas algumas décadas, são deliberadamente obscurecidas pela
narrativa anticomunista para enfatizar apenas os aspectos negativos.
Em suma, Estaline, de
Domenico Losurdo , é de leitura obrigatória para quem procura compreender a
história do século XX para além dos clichés e das caricaturas. Com um estilo
erudito, mas acessível, o livro não só desmascara a propaganda que transformou
Estaline num símbolo unidimensional do mal, como convida à reflexão crítica
sobre os mecanismos de poder, a luta de classes e a construção da memória
histórica. Sem recorrer à apologética, Losurdo consegue humanizar e
complexificar uma figura que definiu uma época.

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