Por Thomas I. Palley
A Europa é a grande perdedora no conflito, mas
parece agora determinada a prejudicar-se ainda mais, aprofundando a marcha da
loucura.
Em The March of Folly: Unreason from Troy to
Vietnam, a historiadora Barbara Tuchman aborda a intrigante questão de saber
por que razão os países adoptam, por vezes, políticas radicalmente opostas aos
seus interesses. Esta questão volta a ser relevante agora que a Europa decidiu
agravar ainda mais a loucura em torno da Ucrânia.
Continuar neste caminho terá consequências
graves para a Europa, mas abandoná-lo representa um desafio político colossal
que exige uma explicação de como a União Europeia foi prejudicada pela sua
política em relação à Ucrânia; como é evidente que se ela duplicar esta aposta,
será ainda mais prejudicada; como esta marcha da loucura foi vendida
politicamente; e, finalmente, porque é que o poder político persiste nesta
ideia.
Os custos políticos e económicos da loucura
Apesar de não ter intervindo diretamente no
conflito ucraniano, a Europa — e a Alemanha em particular — tornou-se uma das
maiores perdedoras da guerra devido às sanções económicas, que tiveram um
efeito boomerang na economia europeia. A energia barata da Rússia foi
substituída pela energia cara dos EUA. Isto teve um impacto negativo no nível
de vida da sociedade e na competitividade do setor da indústria transformadora;
Também influenciou o aumento da inflação na Europa.
A isto acresce a perda de um mercado
importante, a Rússia, onde a Europa vendia produtos manufaturados e obtinha
oportunidades de investimento e crescimento. A conjugação destes factores ajuda
a esclarecer a estagnação da economia europeia. Como se isto não bastasse, o
seu futuro económico fica seriamente comprometido pelo início da insanidade,
que ameaça tornar estes efeitos permanentes.
O fluxo maciço de refugiados ucranianos também
teve consequências adversas: aumentou a concorrência salarial; agravou a
escassez de habitação, o que fez subir as rendas; O sistema escolar e os
serviços sociais ficaram sobrecarregados, e as despesas públicas aumentaram.
Embora estas consequências tenham impactado todo o território europeu, a
Alemanha foi a que mais sofreu. Isto, somado aos efeitos económicos adversos,
contribuiu para turvar o clima político, o que ajuda a explicar a ascensão da
política protofascista, especialmente — novamente — na Alemanha.
A Grande Mentira e Como se Vende a Loucura
A “grande mentira” é uma ideia que Adolf
Hitler formulou em Mein Kampf (A Minha Luta). Isto significa que se uma mentira
descarada associada ao preconceito popular for repetida muitas vezes, acabará
por ser aceite como verdade. Joseph Goebbels, propagandista nazi, conseguiu
aperfeiçoar na prática a teoria da grande mentira. É inegável que muitas
sociedades o utilizaram em alguma medida, e o poder político europeu recorreu
livremente a ele para vender a marcha da loucura.
A primeira grande mentira é o ressurgimento da
narrativa sobre os acordos de apaziguamento de Munique de 1938, que afirma que
a Rússia invadirá a Europa Central se não for derrotada na Ucrânia. Esta
mentira é também alimentada pelos resquícios da teoria do dominó da Guerra
Fria, segundo a qual a conquista de um país desencadearia uma onda de colapsos
noutros.
A narrativa de apaziguamento motiva também
comparações altamente erradas entre o Presidente Putin e Hitler, alimentando
uma segunda grande mentira: o moralismo maniqueísta que apresenta a Europa como
a personificação do bem e a Rússia como a personificação do mal. Esta estrutura
impede o reconhecimento da responsabilidade do Ocidente em alimentar o
conflito, através da expansão da NATO para leste e da disseminação do
sentimento antirrusso na Ucrânia e noutras antigas repúblicas soviéticas.
A terceira grande mentira diz respeito às
capacidades militares da Rússia: o argumento é que o seu poder militar
representa uma ameaça existencial para a Europa Central e Oriental, e isso dá
credibilidade à acusação de expansionismo russo. Nenhuma equação matemática o
poderia refutar; No entanto, os antecedentes nos campos geopolítico e histórico
indicam o contrário.
“Apaziguamento de Munique”, “expansivismo
russo”, “Rússia como a personificação do mal” e a “ameaça militar russa” são
imagens fictícias utilizadas para deslegitimar a Rússia e, ao mesmo tempo,
justificar e encobrir a agressão ocidental. Nunca houve qualquer evidência de
que a Rússia pretendesse controlar a Europa Ocidental, nem durante a Guerra
Fria, nem nos dias de hoje. Pelo contrário, a intervenção da Rússia na Ucrânia
foi motivada principalmente pelo medo — em termos de segurança nacional —
desencadeado pela expansão ocidental da NATO, algo de que a Rússia se tem
queixado repetidamente desde a desintegração da União Soviética.
A grande mentira envenena a possibilidade de
paz, porque é impossível negociar com um adversário que personifica o mal e
representa uma ameaça existencial. No entanto, apesar da sua natureza
enganadora, as mentiras estão a ganhar terreno na opinião pública; Por um lado,
porque se ligam a uma longa história de sentimento anti-russo, que inclui a
Guerra Fria e o medo dos comunistas desde os anos 20; Por outro lado, porque
apelam à pretensão arrogante de superioridade moral, um dos emblemas da marcha
da loucura.
Cortina de fumo: O establishment europeu
intensifica a marcha da loucura
A Grande Mentira ajuda a explicar como o poder
político europeu vendeu a marcha da loucura, mas convida-nos a perguntar
porquê. A resposta é tão simples quanto complexa. A parte simples da análise
alerta que o establishment político europeu falhou na política interna e está
perante o abismo: abraçar a loucura com maior determinação é uma tentativa de
salvação.
Exemplo disso é a França, com um presidente,
Macron, que é bastante impopular e cuja legitimidade democrática está a
diminuir. A estratégia de guerra estrangeira actua como uma cortina de fumo,
redireccionando a atenção das falhas da política interna para um inimigo
externo. Assim, Macron apela ao nacionalismo militarista e posiciona-se como
defensor da França.
Na mesma linha, o primeiro-ministro britânico
Keir Starmer intensificou a estratégia política de triangulação, com o Partido
Trabalhista a seguir os passos do Partido Conservador. Starmer e o seu partido
levaram esta estratégia a tal extremo que tudo o que restava do Partido
Trabalhista era o seu nome, e até superaram os Conservadores com a sua postura
belicista em relação à Ucrânia. Agora, essas decisões afundaram-no
politicamente. Num cenário em que a única coisa oferecida são medidas
conservadoras, os eleitores de direita estão a escolher a marca original,
enquanto os eleitores de centro-esquerda estão cada vez mais a abster-se. Em
resposta, Starmer optou por expandir o envolvimento da Grã-Bretanha na Ucrânia
e participou em sessões fotográficas militares pré-agendadas, numa tentativa de
evocar as figuras dos ultraconservadores Winston Churchill e Margaret Thatcher.
Mas se olharmos para o panorama geral,
verificamos que os "social-democratas" europeus tendem para uma
postura ainda mais militarista do que os conservadores. Isto deve-se, em parte,
ao fenómeno de mimetismo resultante da triangulação, que obriga estes grupos a
tentarem constantemente superar os seus rivais. Da mesma forma, isto deve-se ao
infame abandono da oposição ao nacionalismo militarista que definiu a esquerda
desde os horrores da Primeira Guerra Mundial. Por outras palavras: muitos sociais-democratas
tornaram-se agora amigos da loucura.
A animosidade da Europa em relação à Rússia
e as longas raízes da loucura
A parte complexa da razão pela qual a Europa
adoptou o paradigma da loucura reside nas suas longas e emaranhadas raízes, que
remontam a muitos anos. Esta história semeou a animosidade institucionalizada
em relação à Rússia que agora impulsiona a marcha da loucura europeia. A Europa
não tem uma abordagem independente da política externa há setenta anos. Em vez
disso, submete-se à liderança dos EUA e nomeia pessoas alinhadas com os
interesses dos EUA para cargos de defesa e política externa que exercem poder.
Esta subserviência estende-se às elites da
sociedade civil — think tanks, universidades de prestígio e grandes meios de
comunicação — e ao complexo militar-industrial e à comunidade empresarial, que
adotaram esta postura na esperança de abastecer as forças armadas dos EUA e de
obter acesso aos mercados norte-americanos. Tudo isto levou ao sequestro do
pensamento político europeu em matéria de política externa e à transformação da
Europa num actor subordinado à política externa dos EUA, situação que continua
a persistir.
Dada a sua falta de autonomia em política
externa, a Europa tem-se mostrado disposta a apoiar a expansão da NATO para
leste liderada por Washington na era pós-Guerra Fria. O objectivo dos EUA era
criar uma nova ordem mundial na qual consolidaria a sua posição como potência
hegemónica, sem que nenhum país fosse capaz de desafiar o seu domínio, como a
União Soviética tinha feito. O processo envolveu três etapas, seguindo o plano
diretor articulado por Zbigniew Brzezinski, antigo conselheiro de Segurança Nacional
dos EUA. Em primeiro lugar, expandir a NATO para leste, de modo a incorporar os
antigos países do Pacto de Varsóvia; Em segundo lugar, expandir a NATO para
leste, de modo a incorporar antigas repúblicas soviéticas; Em terceiro lugar,
concluir o processo com a divisão da Rússia em três estados.
A subserviência da Europa à liderança
americana explica também a urgência paralela da União Europeia em expandir-se
para leste. Teria sido muito fácil aceder às vantagens económicas do mercado
através de acordos de comércio livre, o que também teria possibilitado às
empresas europeias tirar partido da mão-de-obra barata da Europa Central e
Oriental. Longe disso, o alargamento foi escolhido — apesar de ser extremamente
dispendioso em termos económicos e do facto de a Europa de Leste não ter uma
tradição política democrática comum — porque consolidaria os estados-membros na
órbita ocidental e encurralaria a Rússia; Ou seja, a expansão da UE para leste
complementou a expansão da NATO para leste.
Por fim, existem também factores
idiossincráticos específicos de cada país que servem para explicar a adopção da
loucura pela Europa. Um caso que ilustra a animosidade histórica em relação à
Rússia é o do Reino Unido, cuja antipatia tem origem no século XIX, quando via
a expansão russa na Ásia Central como uma ameaça ao seu domínio na Índia. A
isto acresce o receio de que a Rússia ganhasse influência face ao declínio do
Império Otomano, o que levou à Guerra da Crimeia. Hoje, a animosidade britânica
em relação à Rússia decorre da Revolução Bolchevique de 1917 e do
estabelecimento do governo comunista, da execução do Czar e da sua família e do
incumprimento da União Soviética em empréstimos concedidos pela Grã-Bretanha
durante a Primeira Guerra Mundial, devido ao ataque ocidental à URSS.
Em 1945, menos de seis meses após a assinatura
do Acordo de Ialta com a União Soviética, Winston Churchill propôs a Operação
Impensável, um plano que incluía o rearmamento da Alemanha e a continuação da
Segunda Guerra Mundial contra a Rússia. Felizmente, o Presidente Truman
recusou. Após a Segunda Guerra Mundial, o serviço secreto britânico apoiou uma
revolta na Ucrânia soviética liderada pelo fascista ucraniano e colaborador
nazi Stepan Bandera. Este esboço histórico esclarece a extensão da animosidade
da classe dominante britânica em relação à Rússia, um sentimento que persiste
na concepção da política e da segurança nacional nos dias de hoje.
Tudo o que foi semeado nesta longa e
intrincada viagem histórica está agora a ser colhido com o conflito ucraniano.
Dado o seu estatuto de actor subordinado, a Europa apoiou imediatamente a
resposta dos EUA, apesar dos custos económicos e sociais e do facto de o
conflito apelar à hegemonia dos EUA, e não à segurança europeia.
Pior ainda: devido à expansão da NATO e da UE,
estas instituições anexaram estados — a Polónia e os países bálticos, entre
outros — com uma profunda e activa aversão à Rússia, tornando-os apoiantes
acérrimos da marcha da loucura. Como membro da NATO, mesmo antes da intervenção
militar da Rússia na Ucrânia, a Polónia congratulou-se com a implantação de
instalações de mísseis que poderiam representar uma ameaça directa à segurança
nacional da Rússia. Na mesma linha, e antes da intervenção na Ucrânia, os países
bálticos insistiram na implantação de mais forças da NATO no seu território.
Quanto à UE, elegeu deliberadamente líderes
russofóbicos, como a corrupta Ursula von der Leyen, atual presidente da
Comissão Europeia. A mais recente nomeação deste tipo é a da estónia Kaja
Kallas, uma nacionalista extremista nomeada Alta Representante da União
Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. Kallas apelou
abertamente à dissolução da Rússia e, durante o seu mandato como
primeira-ministra da Estónia, promoveu veementemente políticas contra a
população étnica russa.
Mais papista que o Papa: os amargos frutos
políticos e económicos da loucura
Paradoxalmente, foram os Estados Unidos, sob a
administração Trump, que romperam com a estratégia bipartidária de segurança
nacional dos EUA que defendia o cerco à Rússia e a escalada das tensões. Esta
ruptura abre uma oportunidade para a Europa escapar à armadilha em que caiu
devido à sua falta de visão política. Contudo, ele mostra-se mais papista do
que o Papa; leal ao deep state americano que zela pela "segurança
nacional".
Tanto o Presidente Macron como o
Primeiro-Ministro Starmer estão a falar sobre o envio unilateral de militares
franceses e britânicos para a Ucrânia. Não há dúvida de que isso aumentaria
dramaticamente o conflito, para além de evocar a estupidez dos acontecimentos
que levaram a Europa à Primeira Guerra Mundial. O governo trabalhista de
Starmer fala também de uma "coligação dos dispostos", aparentemente
ignorando o facto de esta frase se referir à invasão ilegal do Iraque pelos
EUA.
Entretanto, a União Europeia, com a aprovação
do establishment político europeu, está a promover um enorme plano de despesas
militares de 800 mil milhões de euros, financiado por obrigações. A facilidade
com que foi elaborado um plano com um orçamento desta envergadura diz muito
sobre o carácter da UE. O dinheiro para o keynesianismo militar está
prontamente disponível; O dinheiro para as necessidades da sociedade civil
nunca está disponível por razões de responsabilidade fiscal. O Reino Unido, a
Alemanha e a Dinamarca, entre outros países, também apresentaram propostas para
aumentar as suas próprias despesas militares.
A mudança no sentido do keynesianismo militar
terá um impacto macroeconómico positivo, uma vez que é apoiada pelo complexo
militar-industrial europeu, um dos principais beneficiários. É isso mesmo:
fazem canhões, não manteiga. Pior ainda, esta deriva pressagia a consolidação
de uma economia impulsionada pela guerra, sem espaço para a política
orçamental; Ou seja, sem espaço para investimento público em ciência e
tecnologia, educação, segurança social, habitação ou infraestruturas, áreas que
realmente contribuem para o bem-estar.
Por outro lado, a mudança para o keynesianismo
militar terá consequências políticas negativas, uma vez que fortalecerá a
posição política e o poder do complexo militar-industrial e dos seus
proponentes. A celebração do militarismo, por outro lado, está gradualmente a
permear a percepção do eleitorado, fomentando o desenvolvimento de movimentos
políticos reaccionários mais amplos.
Em suma, espera-se que os frutos políticos e
económicos desta marcha louca sejam amargos e tóxicos. A única forma de os
evitar é que os liberais e os sociais-democratas europeus recuperem o bom
senso, mas temo que as perspectivas sejam negras.
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