O governo AD, pela mão da sua comissária, a
farmacêutica Martins, está a concluir rapidamente o processo de transformação
da Saúde em negócio, semelhante a qualquer outro. Quem tem dinheiro paga os
cuidados, a que deveria aceder por direito próprio, já que este é um direito
consagrado na Constituição da República, e como cidadão pagador de impostos;
quem não tem dinheiro fica sem assistência quase tout court, na
medida em que o acesso torna-se cada vez mais difícil, senão impossível na
prática.
A notícia de que o “ceo (director
executivo) terá recebido mais de 200 mil euros por acumulação de funções” de
diretor do INEM do Norte (Porto) com as de médico tarefeiro nas Urgências de
Faro e Portimão, a 550 quilómetros de distância e a mais de cinco horas de
carro, não deixa de ser simbólica quanto à natureza da política do governo
sobre a Saúde e como está, e continuará, a ser gerido o SNS, ou seja, um
simples meio ao serviço de uns quantos que utilizam a doença e a necessidade da
população de diversos cuidados de saúde como vulgar instrumento de
enriquecimento.
A criação pelo governo do PS de uma direcção
executiva do Serviço Nacional de Saúde, fora do ministério da Saúde, foi o meio
encontrado, pouco original por já ter sido usado em outros países, nomeadamente
no Reino Unido com o mesmo fim: liquidação formal do serviço, criado em 1979
pelo mesmo partido mas com direcção completamente diferente. Para quem não se
lembre, o SNS foi criado como alternativa ao combate à corrupção que grassava
na Polícia Judiciária, tarefa que, ao que parece, nunca terá sido levada a
cabo. É no meio da corrupção, diga-se de passagem, que o processo de
desmantelamento está a ser completado por este governo PSD/PP.
Neste Inverno, o tema na ordem do dia tem sido
a dificuldade de acesso da população utente às urgências gerais dos hospitais
públicos. Publicitam-se os hospitais com mais tempo de espera, empolam-se as
demoras, assustam-se os cidadãos e descredibiliza-se ainda mais o SNS. A
alternativa, subentende-se, será as urgências dos hospitais privados, estas
estarão sempre funcionantes mesmo que os médicos e enfermeiros que aí trabalham
sejam, na maioria, os mesmos dos hospitais públicos. Ironicamente, apesar da tragédia,
o bastonário da Ordem dos Médicos verte algumas lágrimas de crocodilo e critica
“situações desumanas” de espera nas urgências.
A farmacêutica, mantendo ar sério, nega que o
plano de Inverno esteja a falhar no SNS. Contudo, a realidade não deixa de ser
teimosa, este fim-de-semana, são quatro urgências de obstetrícia/ginecologia e
uma pediátrica que estão fechadas, às vezes são mais, terá havido fraca
melhoria. O chefe da comissária segue o mesmo guião, afirmando no Parlamento,
que o governo reduziu em 20% os tempos de espera nas urgências durante o
Natal. É bem possível, porque a obrigatoriedade de se telefonar primeiro para o
SNS 24, que não responde em muitos casos, funcionou como meio de dissuasão.
Relacionado ou não, a verdade é que a mortalidade nos idosos ficou acima do
previsto, e ainda não chegamos ao pico da gripe.
Com o pretexto de disponibilizar camas para
doentes afectados pela gripe, alguns hospitais resolveram adiar as cirurgias
programadas, Algarve e Almada. Esta decisão de responsáveis da Saúde faz
lembrar o que aconteceu com o SNS durante a pandemia covídica, fechar serviços
para concentração no combate exclusivo de uma doença cujo índice de mortalidade
terá andado pelos 2%, números oficiais. Por que razão a situação não foi
acautelada antecipadamente, não terá sido para obrigar os cidadãos a recorrer
aos serviços privados que pululam naquelas regiões do país? Relembrar que, em
tempo de governo PS (Sócrates) e PSD/PP (Passos Coelho/Paulo Portas), foram
encerradas mais de oito mil camas em todo o SNS.
O palco que há muito foi montado: o SNS fecha,
o privado abre. As cirurgias não urgentes são suspensas, o presidente da
Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), funcionário
público e ex-administrador de instituições privadas, afirma que é "a única
solução"; o sindicato dos enfermeiros (SEP) lamenta a insistência no uso
de privados para recuperar cirurgias. O Governo retomou o processo de devolução
de hospitais às santas casas da misericórdia, iniciado durante o governo PSD/Coelho
e entretanto suspenso pelo governo PS/Costa. As oferendas serão os hospitais de
Santo Tirso e o de São João da Madeira. Relembrar que Passos Coelho foi
condecorado pela Confederação Internacional das Misericórdias pelas
doações oferecidas à Igreja Católica. Montenegro parece que está com inveja.
Recentemente soube-se que foi dado “novo golpe
profundo” no “desmantelamento” das urgências do Hospital dos Covões. Deixou de
haver especialidades hospitalares no Serviço de Urgência (a Medicina Interna
foi a última), passando a haver apenas “médicos em contrato de prestação de
horas, e que nem sempre decidem estar presentes” (Notícias de Coimbra,
13.01,25). Praticamente, este hospital está a funcionar para consultas externas
e pouco mais. Recordar, mais uma vez, que na região de Coimbra a partir do governo
do PS/Sócrates, continuado pelo de PSD/CDS/Coelho/Portas e com José Martins
Nunes no CA do CHUC (ex-secretário de estado de Cavaco), foram encerradas cerca
de meio milhar de camas. Agora, com este governo AD, o trabalho de liquidação
será concluído.
Abre-se campo para a livre intervenção dos
interesses privados na área da Saúde. O governo dá “via verde” aos privados
para comprarem equipamento médico pesado em clara e aberta concorrência com os
hospitais públicos. Alguns administradores hospitalares queixam-se de
“concorrência desleal”, alertando para a competição que poderá existir de
recursos humanos especializados. Claro que os privados disseram de imediato que
esperam por mudanças que “permitam o investimento em mais meios de
diagnóstico”. Este sector tem sido uma verdadeira galinha de ovos de oiro, daí
grande parte dos médicos se “especializarem” em pedir exames complementares de
diagnóstico por dá cá aquela palha. E já se criou a ideia em muitos utentes que
médico que não requisite análise ou exame não é competente. A saúde virou
bazar.
Ordem dos médicos como parte do problema do
SNS e não da sua solução. Se recuarmos a 1979 quando o SNS foi instituído por
lei da Assembleia da República, a ordem dos médicos veio a terreiro opor-se à
medida, a par do PSD e do CDS, que votaram contra, e onde se incluía o então
deputado laranja Marcelo Rebelo de Sousa. Ao tempo do médico Gentil Martins,
militante do CDS, como bastonário, Cavaco Silva foi aconselhado que haveria
muitos médicos e não seria necessário formar mais. Durante o consulado cavaquista
poucos médicos se formaram, tendo ficado um hiato entre os médicos mais velhos,
que entretanto já se reformaram ou estão no momento a fazê-lo, e os mais novos
sem experiência que são já a maioria. Encontramo-nos agora no buraco.
A ordem dos médicos tem sido dirigida por
militantes do CDS ou do PSD e têm utilizado a instituição como meio de
militância partidária ou de promoção pessoal. O anterior bastonário é um bom
exemplo, da ordem saltou para o Parlamento como deputado do PSD, teve azar não
foi premiado como ministro, a farmacêutica passou-lhe a perna. Ainda como
bastonário geriu, justamente com a farmacêutica Martins, uma conta privada que
recolheu mais de 1,4 milhões de euros, um verdadeiro saco azul, durante a
pandemia, dinheiro quase todo ele proveniente de grandes laboratórios
farmacêuticos. Ainda durante a pandemia a ordem escondeu relatórios que
desaconselhavam a administração da vacina covid em crianças.
Mais recentemente e já com novo bastonário, os
casos da ordem não se fizeram esperar quanto à privatização do SNS. Mais de mil
médicos já assinaram carta que questiona “conflito de interesses” de dirigentes
da própria ordem dos médicos. Primeiro, foi o médico Eurico Castro Alves, em
Dezembro, que acabou por sair da comissão criada pelo Governo para acompanhar a
implementação do novo modelo das urgências de ginecologia/obstetrícia; agora, é
o médico Caldas Afonso, que apresentou a reformulação dessas urgências, que é
questionado. Parece que este sector é um dos mais apetecidos pelos privados.
Entretanto, o Observatório de Violência Obstétrica manifestou-se contra o novo
modelo de urgências de ginecologia: "a ministra da Saúde despreza o
SNS". Mais do que óbvio.
Os índices de Saúde conhecidos ultimamente
ilustram bem a degradação acelerada do estado de saúde e bem-estar dos cidadãos
comuns. Mortalidade infantil atingiu o valor mais elevado dos últimos cinco
anos, 261 mortes abaixo de um ano de idade; os ditos
“especialistas” apontam muitas causas mas esquecem a degradação do SNS.
Crescimento abrupto de 15% na mortalidade no grupo etário dos 15 aos 24 anos no
triénio 2022-2024, facto que não parece incomodar nem autoridades de Saúde, nem
o governo e nem a ordem dos Médicos. Sem serviços adequados de atendimento e
agravamento das condições de vida, o resultado não pode ser outro: menos 1133
nascimento em 2024.
Em 2023, mais de 40% das IVG foram realizadas
pelo sector privado mas encaminhadas por hospitais públicos. A objecção de
consciência de muitos médicos vem a calhar para o negócio, questionamos: serão
também objectores no privado? A realidade diz que as clínicas de Badajoz e Vigo
realizaram 530 interrupções voluntárias da gravidez a mulheres residentes em
Portugal. Como se pode ver, tudo serve para encher a conta bancária de quem fez
da Saúde um excelente e lucrativo negócio. Pruridos de consciência!?, não brinquem,
porque o assunto é demasiado sério.
Estamos em tempo de gripes e mais o que se
prepara do género para breve, não deixa de ser oportuno referir um assunto bem
grave: “Os portugueses que tiveram reacções adversas às vacinas covid-19 estão
ao abandono”. É a manchete, não da imprensa mainstream, porque
conivente com o negócio e com o crime, mas de outra mais corajosa e séria. A
razão: “Portugal é dos poucos países da Europa Ocidental que recusa pagar por
reacções adversas”. Ficamos a saber que mais de 2.100 pessoas assinaram a
‘Petição Por um Programa do Estado Português de Indemnização das Vítimas de
Reações Adversas a Vacinas contra a Covid-19’, a autora da iniciativa é a
médica cardiologista Teresa Gomes Mota. No entanto, as ditas “medidas para
covid-19" custaram ao estado, dinheiros públicos, 12.688 milhões de euros.
Um negócio chorudo. Agora, os incautos vacinados que se amanhem.
A desgraça de uns, geralmente, é a felicidade
de outros. Assim vai a Saúde como negócio nas mãos dos privados. E o
(des)governo AD ainda não tem um ano de vida.

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