Os polícias irão desencadear um golpe de
estado e afastar de vez o PS do governo ainda antes das eleições do dia 10 de
Março? Ou, melhor ainda, impedir que as eleições se realizem sequer, por
desnecessárias, criando um governo com a AD e o Chega de nomeação presidencial?
Este é o ponto da situação, graças ao oportunismo político do PS de querer
controlar a PJ e o SIS com uma prebenda discriminatória em vez de um salário
base digno, como todos os funcionários públicos. O governo mal dirigido por
Costa, outra coisa não seria de esperar, abriu a caixa de pandora: os agentes
da PSP e da GNR (que não é precisamente uma polícia) também se acham com o
direito ao bónus, a seguir, e caso o consigam, os militares, que são todos
mercenários e não conscritos, também virão reivindicar o mesmo, já que ir para
a guerra é um sério e real risco.
Estabilidade à la carte
Estamos a assistir à degradação, já em passo
de marcha acelerada, da democracia saída do golpe militar de 25 de Abril, que o
rei/presidente Marcelo fez o favor de dar uma mãozinha com a demissão do
governo PS/Costa a fim de o substituir por um outro formalmente de direita,
tendo já prometido que poderá proceder a terceira dissolução da Assembleia da
República se assim o entender… a instabilidade, tão esconjurada pelos estrénuos
defensores do “estado de direito e democrático”, são os que mais se esforçam
para a instituir. Se a economia não reanimar, parece que não irá acontecer este
ano de 2024 e para o ano as incertezas são mais que muitas, então estará
instalado o ambiente propício à intriga, traições e baixa política dentro do
regime, como já se está a assistir, e, muito possivelmente, ao golpe de estado
que salvificamente irá colocar a malandragem na ordem. Os populismo servem para
este fim.
Na campanha eleitoral, que vai em fase
avançada e com os debates coreografados ao ínfimo pormenor, fala-se dos engodos
para caçar o voto aos incautos e aos ainda crédulos, aumentos salariais e
diminuição de IRS e IRC, mas não se discute questões importantes,
verdadeiramente cruciais para o cidadão comum ou para o próprio regime, para
além das mais imediatas, salários, saúde, educação e segurança social. Por que
não falar da conscrição ou voluntariado para o serviço militar? Justiça e
segurança, democratização da justiça e das polícias, estruturas que foram
herdadas do fascismo e que continuam incólumes ou quase, por que razão o poder
judicial é o único que não é escrutinado pelo voto do cidadão? E o que pensam
os partidos sobre estes temas? Ou como combater a corrupção de forma e eficaz,
para além de declarações vagas e ocas, como acabou de fazer o chefe do PSD,
“esquecendo-se” que, caso o combate fosse sério e desejado, mais de metade dos
dirigentes do seu partido, incluindo muito provavelmente ele próprio, não
escaparia da prisão?
Sobre as reivindicações policiais, ainda
nenhum partido da oposição, incluindo os mais de direita, se comprometeu a
satisfazê-las tal como são apresentadas pelas organizações sindicais
respectivas se por hipótese venha a ser governo, quanto muito qualquer deles
fica pela promessa apaziguadora e politicamente correcto do “diálogo”. O PS,
escudando-se na “falta de legitimidade” do governo por se encontrar em gestão,
dá agora a entender que nada irá prometer, mas, conhecendo-se o oportunismo
deste partido, ninguém se admire que à última da hora deixe a porta entreaberta
ao acordo, porque serão mais uns poucos milhares de votos caso vença as
eleições e venha a formar de novo governo. A intransigência será então mais de
forma do que de facto.
O controlo das polícias e a luta pelo poder
Por carga de água os partidos se “preocupam”
tanto com as reivindicações policiais? O cerne da questão encontra-se, para
além de poderem vir arrecadar mais alguns votos (aqui encontram-se até os
partidos da esquerda dita “mais radical”) ou do desejo de infernizar a vida ao
PS dificultando-lhe a vitória no próximo dia 10 de Março, na ansia de controlo
das forças policiais. O PS controla a PJ e o SIS, faltar-lhe-á a PSP e a GNR,
estas por sua vez estarão a ser usadas pelo PSD e restante direita para a desestabilização
e para enfraquecer o PS, daí este partido à última da hora e de forma
inesperada, como já referimos, venha a tirar uma carta da manga e resolva a
questão a seu favor. Para já assistimos a um braço de ferro, talvez mais
aparente do que real (a política nacional encontra-se em nível cada vez mais
rasteiro e mais mediático do que nunca) entre o governo e as associações
representativas das polícias. Em suma, é a manipulação das forças policiais
para a disputa partidária pelo pote e, em situação de tensão social, como
instrumento dócil na repressão dos trabalhadores.
Entretanto, vai-se assistindo à refrega entre
o governo, via ministro da Administração Interna, e os sindicatos das polícias,
com o endurecimento das posições de ambos os lados. O ministro acusa os
sindicatos de quererem “boicotar as eleições” e “colocar em causa o estado de
direito”, e os sindicatos, via sindicalista belicoso, indignam-se com as
palavras do dito e, não fazendo por menos, ameaçam com processo em tribunal por
“difamação” contra ministro, primeiro-ministro e “todos os comentadores” que apoiaram
as palavras governamentais. Relembrar que o sindicalista em causa,
aparentemente fazendo eco de opinião mais geral, foi mais longe na ameaça, que
mais tarde teve a arte (talvez aconselhado pelo advogado) de emendar para
“alerta”, de que as reivindicações não sejam satisfeitas facilmente se poderá
chegar a uma situação de descontrolo, com a eventual possibilidade de os
denominados “movimentos inorgânicos” virem a dirigir o processo. Os sindicatos
dos polícias, ao que parece, fazem o mal e caramunha.
Fica claro aos olhos de qualquer cidadão que
estes protestos surgem em momento mais que oportuno, e em política as coisas
nunca surgem por acaso, se acontecem é porque foram planeadas. Estas lutas,
agricultores, polícias, a que se juntam já as polícias municipais e bombeiros
sapadores e voluntários, tantos uns e outros directamente dependentes dos
municípios, custe o que custar, visam malhar no PS. Só que há um pequeno
problema, o PS ainda é o partido que melhores garantias dá a Bruxelas/Alemanha
na aplicação das directivas impostas pelo grande capital financeiro europeu. E
coisa que os partidos, que andam entretidos em debates televisivos a endrominar
o eleitor, devem entender é que quem manda na chafarica à beira-mar plantada
ainda é Bruxelas; o resto será apenas conversa fiada, como dizem os
brasileiros, para boi dormir.
Cartoon de Cristina Sampaio (Facebook)
- Cristina Sampaio: “Recebi ameaças e mensagens de ódio às dezenas por
causa deste cartoon. O sentido de humor está a perder-se completamente” … “Nós
estamos a criticar o racismo na polícia. Estamos a chamar a atenção para um
problema”. “O Sindicato Nacional da Carreira de Chefes (SNCC) da Polícia
de Segurança Pública (PSP) apresentou uma queixa-crime contra os autores de um
cartoon sobre polícia e racismo, e também contra a RTP, por o ter emitido.”
(Agência Lusa, 08.07.2023). … que não deu em nada.
Economia e o descontentamento social
A situação económica do país não é tão risonha
como o PS a pinta, não nos cansamos de enfatizar este ponto, e é o estado do
capitalismo nacional, ou seja, a situação dos lucros da burguesia indígena que,
em última análise, determina a estabilidade da política, cada vez mais rasca,
cá do burgo. A subida do PIB de 2,3% do PIB é enganadora porque a queda do dito
foi brutal no tempo da pandemia, a maior de toda a UE, de forma que qualquer
subida mais significativa será sempre grande em termos percentuais. A pobreza
tem aumentado, é grande o número das famílias de trabalhadores que reduzem as
despesas, “quatro em cada dez consumidores cortaram na ida ao restaurante” ou
“Portugal está entre os 11 países da OCDE que registaram quebras no rendimento
real per capita dos agregados no 3.º trimestre de 2023” ou “mais de 251 mil
portugueses obrigados a ter dois empregos”. A própria classe média (que vota ao
centro, que tem dado a vitória ora ao PS, ora ao PSD) encontra-se em estado
apressado de proletarização, os médicos e professores estão na primeira linha,
o salário médio não aumenta, e facilmente é aliciada pelos ditos “populismos”.
E é para aproveitar esta tendência, e
simultaneamente dando-lhe mais força, que o establishment, através do seu
aparelho de propaganda (toda a imprensa mainstream) promove aos píncaros
partidos e organização de extrema direita, dentro ou fora das polícias,
manifestações racistas e xenófobas, como aconteceu recentemente com a pretensa
“anti-islamização”, chegando-se a usar um criminoso de delito comum, já com
cadastro, como dirigente e agitador. Facilmente, embora com alguma demagogia,
se possa fazer a ligação entre umas e outras, sabendo-se que o racismo e a
xenofobia abundam entre as forças policiais, indo um pouco para além do reflexo
do que existe no seio da sociedade portuguesa, ainda moldada por meio século de
fascismo e colonialismo; ideias estas que não despareceram de todo neste também
meio século de democracia algo manhosa. Não deixa de ser irónico observar a
ascensão do fascismo, agora mais polido e “democratizado”, cinquenta anos
depois do 25 de Abril. É iniludivelmente sinal de senilidade precoce desta
democracia.
As polícias serão reformáveis?
E ainda quanto às manifestações dos polícias,
não deixa igualmente de ser confrangedor constatar que agentes de autoridade,
para defender reivindicações corporativas, sejam os primeiros a infringir as
leis, a começar pela apresentação de “oportunos” atestados médicos até ao
desafio da autoridade do estado. Pergunta-se: qual agora a autoridade ou
moralidade desta gente em obrigar o cidadão comum a respeitar essas mesmas
leis? Os polícias, que agora saem à rua a protestar, terão alguma autoridade
para reprimir alguma greve ou manifestação dos trabalhadores? Os polícias ainda
estarão lembrados ou já se esqueceram da repressão e boicote às greves dos
estivadores e dos camionistas de transportes de matérias perigosas? Os agentes
da PSP e da GNR, que andaram a multar a torto e a direito os cidadãos que não
acataram as imposições ridículas e prepotentes impostas pelo governo PS,
através dos confinamentos sanitários, ainda têm coragem e vergonha de quererem
por ventura o apoio do povo português? Estas são algumas das muitas questões
sobre as quais os polícias e as suas organizações deverão reflectir.
O PS, ao contrário do PSD que reprimiu as
manifestações dos “secos e molhados” e que terá feito algumas reformas
(pequenas) quanto ao tipo de direcção da PSP e GNR, poderia aproveitar, no
próximo governo, avançar com a reforma de todos os corpos policiais: quanto à
GNR, poderia simplesmente dissolvê-la, o povo agradeceria, seria uma maneira de
apagar da memória a triste GNR do fascismo, entretanto poderia criar uma
polícia florestal e do meio ambiente, com o ressuscitar dos antigos
guarda-rios; acabar com as polícias municipais, que foram paridas como
protecção dos presidentes da câmaras e que não possuem uma direcção nacional e
que se limitam a passar multas. Reduzia assim o número de polícias existentes
no país, que inexplicavelmente rivalizam em número com as forças armadas, e
aproximar o número total de polícias em Portugal da média europeia, que são 300
por 100 mil cidadãos e não os actuais 450. Há polícias a mais no país, mas há
médicos, professores e enfermeiros, e outros técnicos necessários ao desenvolvimento
social e económico do país, a menos.
Os economistas do sistema dizem que os
trabalhadores portugueses têm fraca produtividade, justificando assim os baixos
salários praticados entre nós, e então o que dizer da produtividade dos cerca
cem mil polícias e militares de um país, um dos mais pobres de toda a União
Europeia, que nem está em guerra com nenhum outro? Só se a guerra é contra os
trabalhadores e o povo português?
Foto (CM) – Idoso a descansar depois
de ter ido buscar comida a uma cantina social e que a PSP, depois da polémica
surgida no Facebook, nega que o tivesse multado, mas sim dois homens que se
encontravam perto sem máscara e sem distanciamento social. No entanto, o
balanço do estado de emergência (Fevereiro de 2021): “Mais de 13 mil
contraordenações levantadas desde Janeiro, mais que em todo o ano de 2020”,
“PSP abre inquérito por dúvidas no uso da força em ação policial
no Barreiro - A intervenção policial registou-se devido a um ajuntamento
de pessoas a consumir bebidas alcoólicas na via pública”, “Crimes, Figueira da
Foz: PSP deteve homem sem máscara”, “PSP multa surfista resgatado na praia em
Cascais”, “GNR encerrou restaurante em Ílhavo com cinco pessoas no interior”,
“Brigadas covid da PSP: 810 pessoas multadas em 48 horas, 92 por não terem
máscara”.
Imagem de destaque: “Policial
português agride fotógrafa da AFP” (Patricia de Melo Moreira,
fotojornalista da Agência France-Press)
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