Marcelo entendeu prolongar a reunião do
seu Conselho de Estado para além das férias invocando a razão de que Costa, por
força de se encontrar fora do país em visita à selecção feminina de futebol que
disputava o campeonato mundial na Nova Zelândia, não poderia assistir a toda a
reunião e assim poder intervir. A reunião pôde então ter o
seu terminus com todos os intervenientes importantes presentes
(parece que ainda faltaram dois e retomou os trabalhos já um pouco tarde). Mas,
afinal, Costa entrou mudo e saiu calado. Marcelo, segundo as suas próprias
palavras, sabia que o primeiro-ministro não iria falar, coube-lhe fazer a
intervenção mais relevante com o enumerar das “dificuldades do país”;
diagnóstico e tratamento não terá feito.
A segunda parte da reunião do Conselho de
Estado de Marcelo, órgão considerado por muito boa gente como inútil,
constituído pela brigada do reumático dos senadores do regime, marcou
nitidamente a rentrée política do país, mais do que as iniciativas partidárias,
e está a ser tema para paragonas de primeira página de jornais, abertura de
noticiários e de masturbações de comentadeiros e paineleiros pagos a metro a
fim de se saber se Costa está ou não “amuado” com Marcelo, se existe alguma
“querela” entre ambos, e quem terá sido o garganta funda presente que botou cá
para fora o que supostamente terá acontecido na reunião, há quem aponte o dedo
ao calhandreiro Mendes ou ao lobista Xavier (ou não terá sido o próprio
Marcelo?). Em resumo, a questão magna é saber quando é que Marcelo dissolve a
Assembleia da República e despacha o Costa e o PS.
O fantasma da estagflação e os
trabalhadores mais pobres
Mas uma outra realidade se encontra escondida
pela cortina mediática e barulhenta das peripécias ligadas à reunião do
dito conselho de estado, que, pelos vistos, nem é conselho e
nem de estado, que é realidade da grave crise económica, ou dita “economia
nacional”, que não está assim tão bem, apenas a sua situação foi mitigada pelo
turismo que, mesmo com a tão apregoada Jornada Mundial da Juventude, não
impediu que entrasse em recessão em pleno Verão. Segundo os economistas
consultados pela Lusa, a economia portuguesa poderá registar um crescimento
fraco ou até mesmo uma recessão na segunda metade deste ano, com as exportações
totais diminuíram, em cadeia, 2,3% em termos reais. Se o PIB, independentemente
do que isso é e como é calculado, subiu, os salários e os rendimentos gerais
dos trabalhadores desceram; se o turismo foi melhor este ano deveu-se aos
estrangeiros, uma realidade bastante volátil; se as exportações baixaram e se
as receitas dos impostos aumentaram, quer a dívida pública quer a privada subiram,
totalizando cerca de 808 mil milhões de euros (pública mais mil milhões de
euros em Julho, estando nos 281,1 mil milhões de euros).
Mais grave ainda é que as condições de vida de
grande parte do povo português se degradam continuamente, de nada valendo as
medidas consideradas milagrosas do IVA Zero do cabaz de alimentos ou apoios às
famílias mais endividadas à banca. O salário de metade dos portugueses não
chega para pagar as despesas, ficando para trás despesas importantes como
referentes a uma boa alimentação e saúde, o que significa que ter um ganho pão
em Portugal não é sinónimo de não ser pobre. Os salários são miseráveis porque,
também, o trabalho precário, ao contrário do prometido por Costa, não diminuiu,
pelo contrário, aumentou, ocupando Portugal a posição 3 no ranking da
precariedade na União Europeia. No entanto, os propalados fundos de
investimento já ganharam 1,2 mil milhões de euros até o mês de julho, ou seja,
os especuladores e outros capitalistas rentistas enriqueceram um pouco mais à
custa do produto do trabalho do povo português; e mais «Sete mil e 400 milhões
de euros foram transferidos no ano passado de contas em bancos portugueses para
os chamados paraísos fiscais.» É o fartar vilanagem!
Ainda por cima é a própria classe média, que
se criou através dos empregos melhor remunerados na Função Pública, médicos,
professores, enfermeiros, técnicos superiores e médios em geral, que está a ser
empobrecida rapidamente e a enfrentar o desemprego, que não é tão grave que
seria de esperar porque a válvula de escape da emigração de quadros mais
qualificados vai ainda funcionando. A par da destruição do SNS e da Escola
Pública, os médicos, enfermeiros e professores, assim como outros técnicos,
encontram-se agora na primeira linha na luta contra a proletarização, com
greves constantes, mas por dispersas e limitadas dificilmente serão vitoriosas,
estando, por má-fé governamental, a serem responsabilizados pela degradação de
sectores que já foram condenados por Bruxelas. Abater o público para abrir mercado
ao privado, os hospitais privados nunca facturaram tanto como agora, por
exemplo, o grupo CUF Saúde/Grupo Mello teve lucro de 25,4 milhões de euros no
primeiro semestre de 2023, mais 9,9 milhões de euros em relação ao mesmo
período do ano passado.
O Banco Central Europeu é quem mais ordena
Sem ninguém estar à espera, o governador do
banco de Portugal, ex-ministro das Finanças PS, Centeno, resolveu por bem, ou
por iniciativa própria ou a mando do BCE, botar faladura em público apontando o
caminho que o governo deve seguir quanto à resolução dos graves problemas
económicos do país. Alertou para o facto de o BCE estar a "fazer
demais" quanto à subida dos juros, deixando a esperança de que brevemente
irão descer, o que todos sabemos que não é verdade, assumiu assim o papel de
polícia bom; para depois, já na pele do polícia mau, aconselhar o governo a
manter as “contas certas”, com a redução do investimento público quer na
economia quer no sector da saúde, educação, segurança social e trabalhadores do
estado, ou seja, nas áreas onde os privados deverão intervir para o lucro
imediato e fácil.
Centeno teve um discurso declaradamente
político, extravasando as suas funções de regulador e de funcionário que jamais
foi objecto do escrutínio do voto do eleitorado. Parece que o governo não terá
gostado, o certo que passado 4 dias, mais precisamente hoje, é notícia que um
grupo de economistas do Banco de Portugal se manifestou contra, não
reconhecendo o documento apresentado por Centeno como documento oficial do
banco central, que, não deixa de ser conveniente relembrar, recebe apenas
ordens do Banco Central Europeu (órgão do grande capital financeiro), já que
com a adesão ao euro (marco alemão com outra denominação) Portugal deixou de
ter soberania monetária.
As medidas para fazer face à crise endémica do
capitalismo e do agravamento que está a ter neste momento são sempre mais do
mesmo: A OCDE diz que a descida de inflação é improvável sem o aumento do
desemprego, melhor dizendo, só com o agravamento da miséria de quem trabalha é
que a crise poderá ser debelada. A CIP, organização benemérita do empresariado
português mais troglodita, quer de novo o lay-off simplificado para as empresas
que irão ser afectadas pela paragem da Autoeuropa, parecendo que ficou
satisfeita com a política de recapitalização das empresas nacionais falidas a
pretexto da pandemia – para alguma coisa a pandemia terá servido! Novos radares
foram instalados, “para salvar vidas!” diz o governo, mas todos sabemos que
será mais para a caça à multa, isto é, mais um imposto que irá dar muitos
milhões no final do ano, derrubando a pretensa descida de impostos prometida
pelo PS. E as empresas nacionais, segundo relato da imprensa, preparam nova
subida de preços, o quer dizer que a inflação será para manter de boa saúde,
porque representa a subida dos lucros para os tais empresários empreendedores.
Costa “O Salvador da Pátria”
Perante a situação, que vai indo de mal a
pior, Costa, arvorado em salvador da pátria, anuncia com pompa e circunstância
e para marcar a rentrée política como “fazedor” e não “comentador”, um conjunto
de medidas salvíficas para os portugueses: IVA zero até ao final do ano; IRS
Jovem, com taxa zero no primeiro ano; e devolução de propinas depois do
ingresso dos jovens no mercado de trabalho; aplicação do pacote legislativo de
mais habitação, não sabemos bem para quem, que irá ser confirmado na Assembleia
da República. Medidas que foram de imediato apelidadas pelos partidos da
oposição de falsas, por terem sido copiadas, de “insuficientes” pelo BE, e por
aí fora. Parece que Costa entrou em aberta campanha eleitoral já,
possivelmente, pensando nas próximas eleições para o Parlamento Europeu,
passando assim a perna aos partidos da oposição, principalmente, ao dito
“principal” que se desespera em ter um discurso coerente e digno de confiança.
Costa ficará na História mais como o salvador do capital em Portugal e os
factos prova-lo-ão!
Costa também sabe que os tempos que se
avizinham serão particularmente difíceis, para o governo e para quem trabalha, que
o desemprego irá disparar. Agora é a Autoeuropa que vai dispensar, por agora,
mais de 200 trabalhadores com paragem por mais de dois meses, não se sabe se
não será por mais tempo nem qual vai o ser impacto em outras empresas nacionais
para para ela trabalham. Outras empresas estão a encerrar portas, Evaristo
Sampaio fechou e lançou no desemprego mais de 30 trabalhadores, a indústria
tradicional nacional está a dar as últimas, a Groundforce foi declarada
insolvente e a coisa não ficará por aqui. Perante um possível ou até mais que
certo descontentamento social generalizado, Costa vai, por um lado, tentando
serenar os ânimos com a ministra da dita “Solidariedade” a dizer que as
dificuldades sentidas pelos trabalhadores são devido à guerra na Ucrânia; pelo outro,
vai mudando as chefias das polícias pedindo-lhes mais colaboração e
coordenação. Se a cenoura não funcionar, restará o cacete sobre quem trabalha e
seja renitente às medidas de mais pobreza.
Os tempos que se avizinham são sombrios e o
mundo do trabalho deve abandonar as ilusões e preparar-se para a luta.
Imagem de destaque: Conselho de Estado em linguagem gestual - henricartoon
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