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A desunião nacional e os cartazes racistas

 

No passado dia 10 de junho comemorou-se mais um dia da pátria, das comunidades, uma versão soft do antigo dia da raça; no fim, será tudo o mesmo porque se enaltece um regime, uma elite e um sistema de produção económica. A comemoração não é asséptica nem supraclassista, apesar de se encher a boca de “união nacional”, com a diferença de este ano o Marcelo PR ter avançado com a ideia de se cortar “os ramos mortos” da árvore que será o governo – o espírito do antigamente de “quem não é por nós, é contra nós”, agora revisitado, revela que o slogan da “união”, mesmo dentro da elite, não é mais do que isso, um slogan.

Provocador que não gosta de ser provocado

As novidades a salientar destas comemorações serão algumas: a necessidade de se cortar a cabeça ao ministro Galamba, falamos em termos metafóricos, manifestada pelo inefável Marcelo, que mais tarde não teve a coragem de assumir a quem especificamente se dirigia; a irritação de Costa com os cartazes empunhados por um grupos de professores que o retratavam com focinho de porco, figura corriqueiramente usada para retratar o capitalismo ou quem servilmente lhe presta favores, ao mesmo tempo que mandava calar a mulher que, mais papista que o papa, vituperava os antigos colegas de profissão; a provocação de Costa a Marcelo ao levar consigo o ministro de quem se pede a cabeça. Costa gosta de provocar, mas arma-se em virgem ofendida ao ver-se retratado em cartazes satíricos. Mal estaremos se a sátira e a crítica forem proibidas ou limitadas, chegaram 48 anos de censura e de repressão.

Se levarmos a coisa à risca, como Costa faz para o seu lado, então, a caricatura será branda de mais. E vendo bem a caricatura não tem nada de especial se comparada com outras onde os traços fisionómicos de homem não caucasiano são caricaturalmente exagerados, faça-se a revisão de desenhos dos principais caricaturistas nacionais, por exemplo, Vasco Gargalo ou Henrique Monteiro. O alegado “racismo” invocado, e talvez sugerido pelos spin doctors de serviço, enquadra-se naquilo que as elites têm vindo a colocar na prática, a cultura wooke. Quem ousa atacar o autoritarismo leva com o “racismo” ou o “fascismo” em cima, já se tenta identificar o S.TO.P. e os manifestantes com o Chega, quem ousa criticar algumas bizarrias da comunidade LGBT é rotulado de “homofóbico”, quem ousa denunciar o sionismo leva com o “anti-semitismo” na cabeça, e por aí fora. É o “politicamente correcto” a encobrir um fascismo brando que se vai instalando insidiosamente.

 

A manifestação com os cartazes, assunto que ainda irá fazer correr muitos rios de tinta, foi de imediato considerada de “excessiva”, de “mau gosto”, “insultuosa”, “inaceitável”, “racista”, “grotesca”, “inqualificável”, “sátira que se aproveita das características físicas” (disse uma comentadeira ex-ministra que por sinal tem mais de diâmetro do que altura), “radical”, “perigosa”, porque coloca em perigo a “nossa” democracia. E só citamos alguns dos adjectivos usados por alguns paineleiros políticos avençados que, estranhamente, se têm desunhado até agora em criticar o governo. Esquecem-se que já houve manifestações bem piores, em tempos do governo pafioso, onde se agitou um coelho morto pendurado num pau, mas agora parece que ninguém se lembra.

Não deixa de ser interessante observar que a grande maioria dos media corporativos, exactamente aqueles que mais se têm distinguido na exigência da demissão do ministro e da remodelação/demissão do governo, tomem por suas as dores do Costa quanto à manifestação dos professores e dos “horrendos” cartazes. Até o moço de recados do presidente que opina na SIC esteve de acordo na crítica aos cartazes. Será uma relação de amor e ódio. Deitar abaixo o governo mas manter incólume o regime, contudo há o perigo de juntamente com a água do banho lançar fora a criança.

A musculação do regime

Logo que Costa se irritou, o professor/caricaturista maldito foi de imediato investigado em termos inquisitoriais pelos media de referência, a fim de se saber quem é, o que faz e onde mora. Muito provavelmente a esta hora estará com a sua vida particular a ser devassada e a ser minuciosamente vigiado pelo SIS, porque, ao contrário do que muita boa gente pensa, a PIDE não acabou depois do 25 de Abril, só de tornou mais civilizada e moderna. Por enquanto, não prende, mas não faltará muito, basta que os trabalhadores se deixem de hesitações e ousem lutar de forma consequente pelas suas mais que justas reivindicações. A economia está em crise e não há dinheiro disponível, a não ser para a acumulação capitalista, para fazer face à contagem do tempo perdido pelos professores e por outras categorias profissionais da administração pública, ou pelo aumento geral dos salários acima da taxa de inflação. O tempo das lutas fofinhas já passou.

A partir de agora, os professores devem contar com a repressão aberta por parte do governo, que depressa irá abandonar a cenoura e as falinhas mansas para usar o cacete. A anátema de “racismo” foi o mote para mobilizar alguma opinião pública contra os professores e dividir a classe isolando a facção mais determinada na luta e que poderá ser representada pelo grupo que ousou afrontar o governo e a pessoa do Costa. Marcelo até já veio dar uma ajudinha, na sua táctica dúplice e pérfida, declarando que “não ofende quem quer, só quem pode”. Mais uma vez Costa mostra a face, pouco oculta, de autoritarismo do PS que, caso seja necessário ou receba ordens de Bruxelas, não se coibirá, e muito menos ficará com pesos na consciência, de se arvorar em governo autocrático. Relembremos que foi a social democracia (SPD, patrocinou e financiou a criação do PS) que na República de Weimar esmagou o movimento operário e ordenou o assassínio de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.

Costa e o seu PS já se disponibilizaram a levar a cabo este processo de musculação da democracia parlamentar, vamos ver o que sairá da revisão constitucional que se encontra neste momento na forja, e a dúvida estará na questão se merecem ou não a confiança da classe dominante nacional, visceralmente retrógrada e reaccionária, na capacidade de levar a tarefa a bom porto, é que o nome de “socialista” faz arrepiar muitos burgueses saudosos da escravatura a que os trabalhadores estavam remetidos antes do 25 de Abril. A confiança manifestada por Bruxelas talvez não seja suficiente. É que tempestades se avizinham.

Ao contrário do que Costa se ufana, os positivos índices macro-económicos nacionais não se reflectem nem na vida nem nos bolsos da maioria dos portugueses, incluindo uma grande parte da classe média, e os números estão aí, recolectados em sondagem, mesmo que feita em amostra um pouco enviesada e a mando de quem foi: “os portugueses estão insatisfeitos”: 91% quanto aos impostos; 90% em relação à distribuição da riqueza; 88% quanto à crise da habitação; 87% no que concerne ao combate à corrupção; 76% quanto à falta de progressão nas carreiras; 74% no que diz respeito à qualidade do SNS. Se recorremos a outros dados colhidos por Eugénio Rosa, a realidade não melhora: a quebra das remunerações médias líquidas dos trabalhadores das administrações públicas é de -14,6%, entre 2011 e 2023. A situação dos trabalhadores do estado dá em larga medida o retrato dos trabalhadores do país em geral.

Voltando às comemorações do 10 de Junho de este ano, os apelos à “união nacional” dirigem-se ao povo que trabalha, no sentido de se unir a quem o explora, ideia que colherá quanto muito entre a diáspora portuguesa, alguma classe média ou então uma pequena minoria de fascistas saudosos. As bicadas de Marcelo e as provocações de Costa são a evidência que nem a elite se encontra unida. Fica-nos a dúvida sobre quem quer, concretamente, que Galamba seja escorraçado do governo, porque o homem até já deu boas provas de bem servir os lóbis ligados à dita “renovação energética”, hidrogénio e lítio?! São 55 mil milhões de euros que chegarão de Bruxelas até 2027 a disputar. Serão cem cães atrás do osso, o PSD e anexos IL e Chega também quererão enfiar a mão no pote. Como poderá haver união?

E finalmente, não deixa de ser enternecedor ver o sindicalismo colaboracionista e “responsável”, ao cabo e ao resto igualmente fofinho, vir em socorro do primeiro Costa, carpindo pela honra ferida de uma “pessoa de bem”, mas que pouco se importa que os portugueses estejam pior, sem médico de família, sem escola pública de qualidade e sem dinheiro suficiente para pagar a prestação ou a renda da casa, ou para colocar comida na mesa. Se havia alguma dúvida, os professores ficarão daqui em diante esclarecidos ao que andam na realidade estes sindicalistas profissionais, com certeza que não é a defender os interesses da classe; outros interesses ligados ao establishment falarão mais alto, nem que seja o seu modo de vida desligado do trabalho.

Outros sindicalismos, outros partidos e novos rumos são necessários.

cronicasdobarbaro

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