por Wikileaks e Bradley (Chelsea) Manning
No dia 27 de Maio, o soldado Bradley Manning, 22 anos, foi preso em Bagdad, no Iraque. Depois, transferido para uma prisão militar dos EUA, no Kuwait, onde se encontra actualmente. Sua prisão aconteceu depois que o ex-hacker Adrian Lamo (condenado por ter invadido o site do New York Times) entregou para o FBI e o Exército dos EUA e-mails e logs (registros) de suas conversas com Manning, onde ele confessa ser a pessoa que vazou o vídeo "Assassinato Colateral" (Colateral Murder) para o site WikiLeaks.org (publicado no dia 10 de Abril na internet). O Daily Beast publicou um artigo no dia 10 de Junho dizendo que a prisão de Bradley Manning fez com que o Pentágono iniciasse uma caçada para encontrar co-fundador e porta-voz do site wikileaks, o australiano Julian Assange, por temer a publicação de novos documentos secretos que poderiam causar sérios danos a segurança nacional dos EUA.
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De acordo com entrevistas concedidas por
Adrian Lamo à Glenn
Greenwald da Salon.com, a forma como Bradley o contactou e como toda a
história aconteceu levanta muitas suspeitas sobre as acções de Lamo e também do
jornalista (e ex-hacker) da revista Wired, Kevin Poulsen. Lamo alega que no dia
20 de Maio ele recebeu vários e-mails de Bradley, mas que não os leu porque
estavam criptografados, usando uma chave PGP antiga dele. Ainda de acordo com
Lamo, Bradley (que não o conhecia) o encontrou através de uma busca no site
Twitter, por usuários que haviam postado a tag "#wikileaks". E que
dentre as milhares de pessoas que encontrou, Bradley resolveu escolher Lamo
para conversar.
Adrian Lamo disse que mesmo não lendo os
emails e sem saber de quem se tratava, resolveu responder, convidando essa
pessoa estranha para um bate-papo no chat IM da AOL. Ele também disse que
Manning lhe enviou novos emails criptografados usando a sua chave PGP actual. Mas que ele
nunca teve interesse em descriptografar e ler esses emails. No dia 21 de Maio
aconteceu a primeira conversa via bate-papo entre Adrian Lamo e Bradley
Manning. De acordo com o artigo publicado por
Kevin Poulsen na revista Wired sobre a prisão de Bradley, Lamo alega
que ele notificou os agentes federais logo depois desta primeira conversa.
O que levanta suspeita nesta história toda são
algumas questões: a relação de Adrian Lamo e Kevin Poulsen; suspeita de
violação da ética jornalista por ambos e pela revista Wired; o plano revelado
pela própria wikileaks, em 2008, do Pentágono, onde ele fala sobre uma
estratégia para acabar com o site; e a principal de todas: o que realmente
aconteceu entre Lamo e Bradley, o que levou o soldado a confiar em Lamo?
Voltando à história, Adrian Lamo também afirma
ter entregue todos os emails de Bradley para o FBI sem nunca ter lido nenhum
deles. Lamo continuou a conversar com Bradley durante vários dias, enquanto ele
trabalhava como informante para o FBI e o exército. No artigo de Glen
Greenwald do site Salon.com , Poulsen fala que "no final do mês
de Maio Lamo o contou sobre ter sido contactado por um analista de inteligência
do exército, que tinha vazado 260.000 cabos do Departamento do Estado para 'uma
nação estrangeira'. Adrian falou que já tinha entrado em contacto com o governo
e que estava se reunindo pessoalmente com o exército e o FBI para entregar os
logs (registros) da conversa." E ele diz que Lamo "recusou a dizer o
nome do analista" para ele. Mas fica claro que durante os dias em que
Adrian Lamo conversava com Bradley, interrogando-o através do bate-papo da AOL
com o FBI e o exército acompanhando tudo, sem o conhecimento de Manning,
Poulsen sabia que isso estava acontecendo.
No dia 27 de Maio, Lamo ficou sabendo que
Bradley Manning tinha sido preso e levado para uma prisão no Kuwait. No mesmo
dia 27, antes de Adrian Lamo se encontrar com o FBI e o exército, de acordo com
um artigo da Columbian
Journalism Review , Poulsem viajou na mesma data para Sacramento e
"passou algumas horas com Lamo" para pegar os logs, foi quando ele
viu pela primeira vez o nome de Manning e os detalhes da conversa entre ele e
Lamo.
A justificativa dada por Ardian Lamo para
entregar o soldado Bradley aos agentes federais e ao exército, era para
"não colocar vidas americanas em risco". Típico argumento do governo
dos EUA e da extrema-direita daquele país. Na verdade, as imagens que Bradley
vazou para o mundo fazem parte do quotidiano das pessoas que vivem no Iraque e
no Afeganistão, não são nenhuma novidade. Por isso, não faz sentido dizer que
tais imagens incentivariam ataques às tropas norte-americanas naquele país.
Adrian Lamo é uma figura carimbada da cena
'hacker' de San Francisco, famoso pela fama de estar sempre querendo aparecer
nos media. Jacob Appelbaum, desenvolvedor do projecto Tor e que
conhece Lamo há anos, disse nos media que a "única preocupação" de
Lamo sempre foi "ter publicidade para Adrian." A 'parceria com
Poulsen serve para satisfazer essa necessidade de Lamo. São vários os artigos
publicados por Poulsen sobre as aventuras de Lamo nos últimos anos. São anos de
convivência, mas que por uma razão ou outra ambos negam que haja amizade. Para
Poulsen, Lamo é apenas uma "fonte".
Antes da bomba sobre como Lamo ajudou o FBI a
prender o soldado Bradley, no mesmo dia em que Lamo recebeu o primeiro email
criptografado, 20 de maio, Poulsen publicou um artigo na revista
Wired sobre Lamo contando a história dele ter sido preso por possuir
remédios sem prescrição, e depois ter sido internado involuntariamente numa
clínica psiquiatra e por fim diagnosticado com síndrome de Asperger. Após quase
dois anos sem aparecer na mídia, mais uma vez Lamo era assunto para as
histórias de Poulsen na revista Wired.
Enfim, no dia 6 de Junho Poulsen publica o
seu furo de
reportagem sobre a prisão do soldado Bradley, responsável pelo
vazamento do vídeo "Assassinato
Colateral" à wikileaks. Vídeo que mostra soldados norte-americanos
matando, de forma deliberada, cerca de 15 civis - incluindo dois jornalistas da
Reuters - e ferindo outros, inclusive duas crianças, no Iraque. No artigo ele
publica apenas partes dos logs da conversa de Lamo com Bradley que lhe foi
entregue, o que dificulta muito saber o que realmente aconteceu.
E deixa a pergunta mais óbvia: o que fez
Bradley Manning confiar em Adrian Lamo? Em uma hora de entrevista com Glen
Greenwald, Lamo fala que "ele disse a Manning logo no começo da conversa
que ele era um jornalista e, por isso, poderia oferecer a Manning
confidencialidade sobre tudo o que estavam conversando, graças a Shield
Law ('Lei Escudo') da California" - que protege as fontes de
jornalistas. Lamo também disse a Bradley que ele era um ministro religioso e
que poderia tratar a conversa deles como uma "confissão". Ele nunca
falou se Bradley recusou ou rejeitou a oferta de confidencialidade. Agora, já para
a Yahoo!
News, ele disse que deixou claro para Manning que não estava trabalhando
como jornalista e que Manning recusou a oferta. O que prova que Adrian Lamo
anda contando várias versões da mesma história e que sem os logs completos fica
impossível saber o que realmente aconteceu.
Vários jornalistas já pediram a Wired para
verem os logs completos da conversa, mas ela se recusa a mostrá-los alegando
que existem partes sobre a vida pessoal de Bradley e também de segurança
nacional. Mas Lamo disse a Salon.com que "há partes dos logs que (a) são
de extrema relevância ao que aconteceu; (b) não tem nada a ver com questões
pessoais de Bradley; (c) não podem ser encontradas em nenhumas das partes
publicadas pela Wired". No dia 10 de Junho o Washington
Post publicou partes dos logs (que não foram publicadas pela Wired)
provando que a Wired está detendo logs que não tem nada a ver com
"questões pessoais" ou de "segurança nacional".
Bradley Manning é um herói.
Partes do log da conversa onde Bradley
justifica porque ele fez o que fez:
"Bem, foi enviado para [wikileaks] e só
Deus sabe o que acontecerá agora! Espero que uma discussão mundial, debates e
reformas, senão estamos condenados como espécie e eu vou desistir oficialmente
da sociedade que temos, se nada acontecer. A reacção ao vídeo [Assassinato
Colateral] me deu imensa esperança..." "... Eu quero que as pessoas
vejam a verdade... independente de quem elas sejam... porque sem informações
não podemos tomar decisões conscientes como um povo."
Bradley conta o incidente que o fez questionar
pela primeira vez a guerra no Iraque. Foi quando ele foi instruido para
trabalhar num caso de umas pessoas presas por distribuir literatura
"insurgente". Só que quando ele traduziu o que estava escrito ele viu
que era apenas uma crítica académica à PM Maliki (Primeiro Ministro do Iraque).
Ele comunicou o fato ao seu superior, que o mandou calar a boca e a ajudar a
deter mais gente.
Ao ler as partes dos logs da conversa fica
claro que Bradley agiu da forma mais nobre que alguém poderia agir diante de
tanta corrupção e crime em nome de uma guerra que começou com uma mentira (as
armas de destruição massiva que o Iraque supostamente tinha). A intenção dele é
clara:
Bradley: "Se eu fosse alguém
mal-intencionado poderia vendê-los à Rússia e a China e ganharia uma
grana."
Lamo: "Por que não o fez?"
Bradley: "Porque são dados
públicos" ? "Eles pertencem ao domínio público - informação deveria
ser livre - pertencem ao domínio público - porque outro Estado simplesmente
tiraria proveito da situação... tentar obter alguma vantagem.. se estiver livre
por aí.."
Nos EUA, o caso de Bradley está sendo
comparado com o de Daniel Ellsberg. Citando a wikipedia :
"é um ex-analista militar norte-americano, que causou um furor no governo
e na opinião pública em 1971, quando forneceu ao jornal The New York Times os
Papéis do Pentágono, documentos secretos do Departamento de Defesa contendo
detalhes sobre as atividades das Forças Armadas dos EUA durante a Guerra do
Vietnã. A publicação dos documentos alertou o povo norte-americano sobre como
eles foram enganados por seu próprio governo a respeito da guerra." O
próprio Daniel Ellsberg disse no programa Democracy
Now que: "...o que eu escutei de Assange [wikileaks] e Manning
até agora - e eu não conheço nenhum dos dois - é que eles são meus novos
heróis".
Existem muitos soldados que estão tomando uma
posição contra as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas Bradley Manning não
somente tomou uma posição contra como fez algo a respeito. Ele ajudou a fazer o
que Daniel Ellsberg fez em relação a guerra no Vietname. Ele ajudou a alertar o
povo norte-americano sobre como ele está sendo enganado por seu próprio governo
a respeito das guerras. Os familiares das vítimas mostradas no vídeo
"Assassinato Colateral", declararam que "Justiça foi o que
Manning fez, o exército deveria condecorá-lo e não prendê-lo ".
As acusações contra Bradley foram apresentadas
no começo de Junho, e é difícil definir quanto tempo de pena ele enfrentará.
Depende muito da interpretação da acusação, mas o cálculo parece ser entre 52
anos de prisão.
Wikileaks:
Além do vídeo "Assassinato
Colateral" Lamo disse que Bradley também vazou outro vídeo sobre um ataque
no dia 03 de Maio de 2009 no Afeganistão onde um bombardeiro matou centenas de
civis. De acordo com um relatório
da organização Human Rights Watch (HRW) sobre este ataque, a
informação dada pelo exército dos EUA era de que a responsabilidade pelas
vítimas civis era do Taliban, por usar civis como escudos humanos. Mas os
moradores entrevistados pela HRW relataram uma outra versão da história.
Falaram que depois de um confronto entre Taliban e as forças dos EUA e do
Afeganistão, quando a maioria dos insurgentes já haviam deixado a Vila Garani,
cerca de oito bombas foram lançadas na Vila pelo exército norte-americano e foi
aí que a maior parte dos civis foram mortos.
Lamo também alega que Bradley entregou
centenas de milhares de cabos secretos diplomáticos para a Wikileaks que
mostram "negociações políticas criminosas". Não é possível confirmar
se esses documentos estão realmente com a Wikileaks, mas é bem provável que
eles possuem alguma coisa e que poderão publicá-la a qualquer momento.
Aparentemente, é por temer a publicação deste material que o Pentágono anda
caçando o porta-voz do site, Julian Assange. Entretanto, não é de hoje que o
Pentágono se preocupa com a Wikileaks. No dia 15 de Março de 2010, a Wikileaks
publicou um relatório da Agência de Contra-Inteligência dos EUA , de
32 páginas, feito em 2008 sobre o site. O documento descreve uma operação para
destruir a credibilidade do site e acabar como o seu potencial de vazar
documentos que podem expor ações criminosas do governo dos EUA:
" Sites como o wikileaks.org tem a
confiança como o seu centro de gravidade mais importante, protegendo o
anonimato e a identidade do confidente, informante ou denunciante.
Identificação bem sucedida, acusação, cessação de relação laboral e exposição
das pessoas que vazaram as informações por parte dos governos e das empresas
afectadas pelas informações postadas em WikiLeaks.org, prejudicaria e potencialmente
destruiria este centro de gravidade e dissuadiria outros de tomar medidas
similares. "
Não é novidade para ninguém este tipo de
acções secretas promovidas pelo governo dos EUA para defender os seus
interesses e proteger suas acções criminosas em prol desses interesses. Por
exemplo, para os latino-americanos é muito fácil recordar a operação CONDOR e
também outras acções que colaboraram com a implementação de ditaduras militares
por toda a América Latina durante décadas. Ditaduras que destruíram governos
democraticamente eleitos, que se negavam a seguir a Cartilha do Consenso de
Washington. Para os movimentos sociais dos EUA dos anos 60 também é muito conhecida
a operação COINTELPRO ,
elaborada pelo governo para acabar com os movimentos daquele país. Movimentos
como os panteras negras, contra a guerra do Vietname, pelos direitos civis,
pela liberdade de expressão etc., foram todos atingidos por essa operação.
Deste a sua criação em Dezembro de 2006, o
site Wikileaks já recebeu
milhares de documentos vazados de todo o mundo. Muitos consideram o site um
lugar seguro para publicar documentos sensíveis de governos e empresas que
denunciam crimes e corrupção e que garante o anonimato, como uma nova forma de
se fazer jornalismo. A diferença entre a Wikileaks e os grandes meios de
comunicação é que os segundos têm a mania de 'sentar' em informações
importantes para o interesse público em cumplicidade com os governos e empresas
denunciados. Por exemplo o New York Times 'sentou' por um ano na denúncia de
que a administração Bush espionava ilegalmente os cidadãos norte-americanos,
até o Bush ser reeleito sem problemas.
Alguns destaques das denúncias
publicadas pela WikiLeaks :
1. Daniel arap Moi: Wikileaks publica
documentos provando corrupção do ex-lider queniano (presidente durante
1978-2002) Daniel arap Moi. Muitos meios de comunicação falaram que a denúncia
fez mudar o caminho das eleições naquele país.
2. Procedimentos Operacionais Padrão para
Camp Delta/Guantánamo: o documento publicado pela Wikileaks no dia 7 de
Novembro de 2007, revelou algumas das restrições impostas aos detidos,
incluindo o protocolo de esconder alguns prisioneiros durante as visitas do
Comité Internacional da Cruz Vermelha, algo que os militares dos EUA haviam
negado repetidamente no passado. Depois no dia 3 de Dezembro a Wikileaks lançou
uma versão nova, de 2004, do manual junto com uma análise detalhada das
mudanças entre as versões.
3. Os famosos e mails da Unidade de
Pesquisas sobre o Clima: que causaram uma crise durante a última conferência
climática.
4. Escândalo do Petróleo no Peru, 2008:
No dia 28 de Janeiro de 2009, Wikileaks publicou 86 gravações telefónicas de
políticos e empresários peruanos envolvidos no escândalo "Petrogate".
5. Wikileaks publicou um relatório interno da empresa petroleira e de transportes Trafigura Beheer BV, da Suiça, que fala sobre o despejo de lixo tóxico na Costa do Marfin, que de acordo com a ONU afectou 108.000 pessoas.
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