Estamos em pleno mês de Agosto, com um
calorzinho de Verão, os senhores deputados da Nação foram de férias, o
primeiro-ministro e o PR Marcelo foram ver os Jogos Olímpicos a Paris para,
dizem eles, dar apoio aos nossos atletas, não para tirar dividendos políticos
das medalhas conquistadas, só mentes perversas poderão pensar tal, e os
dirigentes políticos preparam as agendas para a rentrée política. É
indubitavelmente uma silly season à portuguesa 2024, porque não acontece nada
de especial, embora os polícias se queixem de terem sido enganados, os médicos
desprezados, os enfermeiros esquecidos, os professores, os que podem, desejosos
de se aposentarem precocemente… e o mais de que os media mainstream não
relatam. Pois, a realidade limita-se ao virtual, pelo menos, aquela que nos é
apresentada pelo governo e os seus meios de propaganda.
A realidade é ligeiramente diferente, a
começar pela Saúde que, por sua vez, é-nos mostrada como o “caos”, que é
denodadamente combatido pela intrépida ministra e coadjuvada por todo o governo
AD, este genuinamente preocupado pela saúde e bem-estar do bom povo lusitano.
Este fim de semana são cinco urgências de obstetrícia e ginecologia que se
encontram encerradas, mas no início do mês os media, com todos os canais de
televisão a abrirem em simultâneo com a mesma notícia: «Urgências em Agosto.
Mais de uma dezena fechadas este fim de semana. A Urgência de
Ginecologia-Obstetrícia do Hospital de Leiria fecha 18 dias em Agosto». Logo o
grito lancinante do actual bastonário dos médicos: “a situação é grave”. O
anterior bastonário mantem-se calado, já que o governo não é do PS e
presentemente desempenha o papel de deputado da Nação pelo PSD; outras
prioridades. Devemos relembrar que tanto a ordem dos médicos, o PSD e o PR
Marcelo, este era deputado, atacaram e votaram contra o SNS aquando da
aprovação da Lei que o criou em 1979.
Para além dos lamentos, gritos de indignação,
juras de salvação, preocupações sentidas pelo SNS, esta gente mais não faz do
que cavar, e rapidamente, a sepultura do SNS e substitui-lo quanto antes por um
dito “sistema”, onde irão chafurdar médicos/empresários, hospitais privados de
capital nacional e estrangeiro, misericórdias/ICAR, companhias de seguros e
bancos, transformando a doença e os cuidados de saúde em geral em chorudo,
lucrativo e garantido negócio. As palavras da farmacêutica arvorada em ministra
são bem claras e não deixam margem para dúvidas: “O que importa é servir os
doentes”, diz a ministra, e acrescenta: “dêem-nos tempo”. Palavras proferidas
aquando de visita a Hospital do SNS, acompanhada pelo chefe do governo e pelo
PR Marcelo, que se disponibilizou em acompanhar o governo em solidariedade do
dito e do povo português pelo qual ele tanto se preocupa. A mais alta figura da
Nação deve sofrer de insónia total por tanto cismar nos problemas que afligem
este povo tão cordato. Este governo já fez mais pelo desmantelamento do SNS, em
pouco mais de três meses de vida, do que o PS nos dois anos anteriores de
maioria absoluta.
A nível económico parece que as coisas não
estarão a correr lá muito bem ao governo de Montenegro/AD. O défice da balança
comercial de produtos agrícolas gravou-se 315,1 milhões. As exportações e
importações de bens voltaram a cair em Junho, quedas de 3,8% e 6,4%
respetivamente, em relação ao mês homólogo, segundo dados do INE. A dívida
pública aumentou em 2,5 mil milhões de euros em Abril, para atingir 273,4
mil milhões (Banco de Portugal). O número de insolvências registou um aumento
homólogo de 16% até Julho, para 2.410, enquanto as empresas constituídas
diminuíram 3%, para 30.884 (dados da Iberinform). O abrandamento do crescimento
da economia é notório, o PIB cresceu uns anémicos 0,1% no segundo trimestre de
2024 em relação ao primeiro, bem menos do que os 0,8% deste último ante o
anterior, e apenas 1,5% em relação ao mês homónimo de 2023. Portugal desde que
aderiu ao euro nunca ultrapassou os 2%.
O excesso produção do vinho levou o governo a
apoiar com dinheiros públicos os produtores de vinho para que o preço (e os
lucros) não descambassem, mas só aos grandes produtores, muitos deles empresas
estrangeiras, o que levou à revolta dos pequenos produtores que não deixaram de
manifestar o seu profundo descontentamento ainda há pouco na cidade da Régua.
Ora, facilmente se conclui que quando a classe média, ou uma parte dela, se
manifesta contra significa que o governo em função não aguentará muito mais tempo,
por muito que esse governo tente comprar a paz social. E a quanto a esta
questão, este governo parece ter aprendido alguma coisa com o governo de má
memória de Passos Coelho/Paulo Portas que quase provocou uma insurreição geral
neste país.
A maioria dos portugueses diz estar
insatisfeita (56%) com o estado do país político, de acordo com a sondagem da
Aximage, realizada há pouco menos de um mês. Assim, 53% dos inquiridos não
acreditam que o Governo AD/Montenegro se aguente em funções até ao final da
legislatura, em 2028, e muito provavelmente cairá no final do ano, caso o
Orçamento de Estado para 2025 não seja aprovado. Este documento é fulcral para
a distribuição do bolo, resultante do saque exercido sobre o povo português,
pelos diversos grupos de interesses e segundo a lógica do capital; ou seja, o
maior quinhão possível para os bolsos dos que exploram os recursos e a força de
trabalho dos portugueses. Não será o PS a inviabilizar o OE 2024, porque não
quer eleições nem ficar com o ónus de não haver dinheiro para os aumentos
salariais prometidos.
Os comentadores e paineleiros que pululam
pelos jornais e pelas televisões não se cansam de apontar as consequências
nefastas da eventualidade de sermos “governados” por duodécimos. Os
empresários, pelas suas organizações ou individualmente, esticam a corda o mais
possível quanto a benesses fiscais, diminuição do IRC, aumento dos salários
abaixo da taxa de inflação, “mexidas” no subsídio do desemprego e no código do
trabalho em geral. A título de curiosidade deve-se referir que os benefícios
fiscais a empresas atingiram 16,6 mil milhões de euros na última década, o que
significa que o PS compete com o PSD no que concerne salvar o capital à custa
de uma maior exploração do trabalho.
Os lucros dos seis maiores bancos a
operar em Portugal, na maioria de capital espanhol, ascendeu aos 4,3
mil milhões de euros em 2023, ou seja, quase 12 milhões de
euros por dia. Os ditos “especialistas” atribuem o facto à política de
juros altos do BCE, e neste caso até terão razão, com o argumento hipócrita de
fazer baixar (?!) a inflação. O que na realidade acontece é que o poder de
compra do consumidor baixa e a produção torna-se excedentária fazendo com que
os preços tendam a cair e, assim, os lucros também a diminuir. Os lucros dos
bancos entram em colisão com os lucros do capital produtivo, é a crise
irresolúvel do capitalismo. Entre os dois grupos de interesses, o governo AD,
na continuidade do anterior PS, opta pelo partido dos bancos que irão em breve
ver reduzidas ainda mais as suas contribuições fiscais, com o Tribunal
Constitucional a considerar como ilegais as normas do imposto adicional
sobre a banca. A justiça está sempre ao lado do grande capital.
Assim como podemos considerar Montenegro como
o Costa 2.0, este governo da AD (PSD/CDS-PP) será de igual modo o governo PS
2.0 se olharmos para as suas posições quanto às pressões externas. Sabemos que
nem o governo espanhol nem os empresários que roubam a água do Alqueva pagaram
um único euro até agora, serão mais de 40 milhões em dívida, problema que este
governo prometeu resolução em breve. Para talvez mostrar que a palavra era
cumprida, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, anunciou
que o Governo de Madrid iria pagar dois milhões de euros anuais "que são
devidos". Ora, logo de imediato o governo “socialista” de Madrid veio
dizer que isso é mentira, exigindo ao mesmo tempo a liberdade de poder tirar o
dobro da água do que tem sido feito. Ainda não sabemos o que terá sido,
entretanto, acordado, se alguma coisa foi. A subserviência do governo AD não
fica atrás da do governo PS, bem patente na posição em relação aos resultados
das eleições na Venezuela: o PS apoiou o palhaço Juan Guaidó, o PSD o assassino
e agente da CIA González Urrutia. Manda o Tio Sam, os lacaios europeus obedecem
prontamente.
Entretanto, vai-se distraindo o povoléu com os
Jogos Olímpicos e com as medalhas que os atletas nacionais ou nacionalizados
poderão conquistar, mas azar dos azares até agora são mais os diplomas do que
as medalhas, qualquer craque de outro país arrecada mais medalhas do que todo
grupo olímpico nacional. Alguns atletas queixam-se, e com carradas de razão, da
falta de apoio por parte do governo que só olha para o futebol, mais negócio
que desporto, e Montenegro e Marcelo andam numa lufa-lufa a fim de capitalizar
algum dividendo político, mas o panorama do desporto de maneira alguma poderá
destoar do resto do país, por muitas voltas que dêem. A demagogia a rodos e a
intoxicação patrioteira, induzida pelos media de referência e agentes
políticos, fazem parte deste ambiente de estação da palermice (silly season)
que não consegue ocultar a dura realidade do povo português. O resumo da
governação de Montenegro/AD pode ser dado pelo tal famoso e milagreiro plano de
emergência para a saúde, que das com 54 medidas propostas só uma está concluída
e foi um negócio por ajuste directo.
Muito provavelmente o governo será despedido
da mesma forma, pese a conciliação ou apoio mais ou menos aberto dos restantes
partidos da putativa “oposição”. Sabendo dessa possibilidade, Montenegro já
veio vitimizar-se, fazendo lembrar o seu antecessor Costa, lançando-se ao
ataque quando viu o seu programa do governo viabilizado na Assembleia da
República: " (as) oposições têm dever de lealdade de nos deixarem
governar". Aprendeu com o padrinho Cavaco em apontar as “forças de
bloqueio” pelas dificuldades que não consegue enfrentar ou não conseguirá
resolver no futuro. Amplos sectores de trabalhadores, e não somente dos
serviços do estado, poderão entrar em luta a partir do fim da estação de
apaziguamento da luta de classe que é o Verão, mas sectores da indústria e da
economia em geral poderão, e irão com certeza, vir para rua quando as medidas
prometidas pelo governo ao patronato forem efectivadas.
O governo de Montenegro é como o lacrau da
história, não conseguirá conter o impulso que lhe é genético. Mais cedo ou mais
tarde, será forçado a deixar cair a máscara da conciliação e do apaziguamento
da distribuição de algumas migalhas, não sendo por acaso que foi nomeada para
ministra do trabalho a mulher de um banqueiro, que soube capitalizar um banco
falido à custa dos dinheiros públicos. A política é a mesma, saber canalizar a
riqueza do trabalho para o capital. Como temos referido, este, como qualquer
outro governo, aguentar-se-á na proporção de conseguir manter alguma
estabilidade económica para quem trabalha e, nomeadamente para a dita “classe
média”, a pequena-burguesia politicamente diletante e poltrona, porque quando
isso acabar é o descontentamento e a revolta. Devemos ter bem presente as
razões que levaram ao fim do governo pafioso Passos Coelho/Paulo Portas.
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